segunda-feira, 30 de abril de 2018

Ah, bah: boa notícia!


Se os nomes Agnetha, Benny, Björn e Anni-Frid significam algo para você, então, sua certidão de nascimento com certeza remonta a meados do século passado. Mamma mia! Não tem como esconder. E se a evocação nominal desse quarteto provoca uma súbita transposição emocional a eras passadas, quando a juventude dos anos 1970 e 1980 se divertia em bailes animados por música cadenciada, em salões com luzes piscantes, denominados discotecas, ao som de discotecários (precursores dos DJs), então, você já pode ter uma ideia do que é que vamos tratar nesta crônica de segunda.
Não, não comentarei com o atarefado leitor e com a assoberbada leitora os caminhos e descaminhos das investigações de corrupção que animam a política e desanimam a vida dos brasileiros. Para isso há o Mirante, a página da Rosilene Pozza, que competentemente nos esclarece sobre os bastidores do fazer político em âmbito local, estadual, nacional e etecetera e tal. Tampouco transcorrerei sobre as louváveis iniciativas de empreendedores serranos no sentido de debelar a crise econômica abrindo novos empreendimentos na região, gerando postos de trabalho e reaquecendo a economia. Para isso há o Caixa-Forte, a página de economia assinada pela Silvana Toazza, que atentamente acompanha os andamentos do setor na Serra Gaúcha. Também não abordarei a gangorra que aflige e acalenta torcedores das duplas Ca-Ju e Gre-Nal, pois para isso há as páginas da turma do Esporte, acompanhando os lances que movimentam as séries A, B, C e D do futebol nacional. Não, nada disso.
Falarei, isso sim, sobre a notícia mais importante veiculada pela imprensa internacional nos últimos dias: o retorno do grupo pop ABBA, composto pelo quarteto de suecos cuja junção das iniciais dos nomes gerou uma das mais queridas bandas musicais de todos os tempos, não é mesmo, Fernando? Sim, pois é: os quatro integrantes do ABBA resolveram se reunir novamente, após 35 anos de separação, para gravar duas novas músicas em estúdio. Uma delas já teve até o título divulgado: “I still have Faith in you”, algo como “Eu ainda tenho fé em você”, em tradução livre deste cronista. “Nós envelhecemos, mas o som é novo”, afirmam, em comunicado oficial. Infelizmente, o público terá (teremos) de esperar até dezembro para conhecer as novidades. Mas também temos fé neles, e estamos, na verdade, todos, ao redor do mundo, sedentos por ao menos um pouco de notícia boa, que nos ajude a manter a vontade dançante de viver. Até lá, podemos abastecer a alma revisitando sucessos como “Chiquitita”, “Dancing Queen”, “I Have a Dream”...
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 30 de maio de 2018)

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Uma amizade transformadora


Ele é meu grande amigo, parceiro, companheiro e conselheiro. Travamos relações íntimas e amistosas há mais de meio século, desde que vim ao mundo. Multifacetado, apresenta-se a mim diariamente sob formas variadas, surpreendendo e colaborando para a ampliação de minha visão de mundo. Frequenta minha casa, onde é sempre bem-vindo e tem lugar de honra garantido devido à importância que sua presença exerce sobre os rumos de minha vida. É silencioso, mas estabelece comunicação profunda com minha essência, conhecendo como ninguém os caminhos que conduzem à minha alma, aprimorando-a, transformando-a, moldando-a, gerando um processo contínuo e infinito de construção, sempre para melhor.
Ele tem muito a dizer, mas só o faz quando é convidado a se aproximar e a compartilhar o conteúdo da sabedoria que conserva latente em sua forma peculiar de ser e de se apresentar ao mundo. É discreto, nada impõe, mas sei que cultiva uma ansiedade perene por ser evocado à minha presença quando possível e, felizmente, esses momentos de encontro têm sido criados com determinação diária dentro das brechas de minha agenda, há décadas. Sempre há e seguirá havendo espaço para encontrá-lo, pois sei que saio aprimorado de cada um desses momentos, por mais efêmeros que eventualmente sejam. Sabe-se que o segredo para cultivar uma amizade significativa e profunda é a manutenção da relação por meio do contato, mesmo que eventual. No nosso caso, ele é diário e antigo, iniciado ainda antes mesmo de eu nascer, durante a gestação na barriga de minha mãe, quando ela esperava por minha chegada já na companhia desse que se transformaria também em meu valoroso amigo: o livro.
Dedico a ele as linhas desta crônica de segunda, neste 23 de abril, Dia Mundial do Livro, data instituída pela Unesco por evocar as mortes de escritores basilares da literatura universal como Miguel de Cervantes e William Shakespeare (ambos em 1616). Apesar do advento da era da informática e da vida digital e virtual, o livro, essa invenção ancestral, segue firme sendo um instrumento poderoso e inigualável de formação de cidadãos plenos e de transformação humana. Tenho convicção de que, a partir do estabelecimento de uma relação íntima e pessoal com o livro e com a leitura, a pessoa asfalta e consolida sua estrada rumo à humanização constante de si mesma. Mais livro e mais leitura é mais tolerância, menos preconceito, mais sabedoria, mais convivência, mais maturidade, mais alegria, mais justiça, mais saúde física, mental, espiritual e social. Parabéns pelo seu dia, valioso amigo!
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 23 de abril de 2018)

segunda-feira, 16 de abril de 2018

As quatro liberdades


Estaremos definitivamente perdidos quando abandonarmos nossa capacidade de sonhar com um mundo melhor. Apesar de todos os horrores, apesar de todas as mazelas, apesar da escuridão que se abate sobre os dias, apesar das dificuldades angustiantes, apesar das pedras que brotam no caminho, apesar do florescer dos ódios e do fenecer da poesia, precisamos nos agarrar à esperança de que nossos atos pessoais, embasados nos ensinamentos ancestrais pautados pela ética e pela civilidade, serão capazes de reorientar o rumo do processo, se somados aos de muitos que não se vergam ao clamor individualista do “cada um por si”. Sonhar com o melhor é o combustível que nos permite seguir adiante mesmo quando rodando sobre o pior, que pode sempre ainda pior ficar, como bem sabemos.
A fim de colocar lenha nesse combustível positivo, vale lembrar o discurso que o então presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt proferiu à sua nação em 6 de janeiro de 1941, quando o mundo se horrorizava com o auge da Segunda Guerra Mundial, conflito que logo tragaria também os Estados Unidos para o olho do furacão do combate ao nazismo e ao fascismo. Roosevelt lembrava os norte-americanos que, caso entrassem na guerra (o que de fato o fizeram), seria com o objetivo de defender a causa da liberdade, e elencou quatro tópicos que ficariam conhecidos como “as quatro liberdades humanas essenciais”, a saber: liberdade de expressão, liberdade de culto, liberdade de viver sem passar necessidade e liberdade de viver sem medo. Mais tarde, esses conceitos seriam evocados e influenciariam os termos da Declaração dos Direitos Humanos e da Carta das Nações Unidas, tamanho o poder definidor das aspirações humanas que possuem. São aspirações poéticas, elevadas e que embalam bons sonhos, fundamentais para contrapor a cruel realidade, que conduz cada vez mais para a direção oposta.
No caso do Brasil, a realidade prática aponta para um verdadeiro pesadelo acordado, diametralmente oposto às quatro liberdades evocadas pelo discurso. A liberdade de expressão é mal compreendida, mal utilizada e a censura está sempre rondando; a liberdade de culto (e de crenças e de opções pessoais em geral) sofre constantes ataques dos intolerantes e cultuadores do ódio e da discriminação; a de viver sem passar necessidade e a de viver sem medo falam por si aos corações de cada brasileiro, vergados a uma rotina de miséria, disparidade social, corrupção e violência. Mas é preciso sonhar e seguir fazendo nossa parte no cotidiano, para que a maionese não desande por completo. Se é que já não...
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 16 de abril de 2018)

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Um mito revigorado


O Tempo e a Memória são elementos invisíveis que operam em conjunto nas sombras da existência para conferir (ou não) permanência aos nomes de quem viveu. Há aqueles que se assentam em lugares perenes na História devido aos seus feitos transformadores ou destruidores; esses são os vultos ilustres que perpassam gerações e ultrapassam fronteiras. Há aqueles cuja amplitude de referência se restringe a círculos mais íntimos ou restritos, em especial nos âmbitos familiares ou de comunidades específicas, postos que podem ser ocupados pelas pessoas ditas comuns. E há aqueles cujos nomes simplesmente se esvanecem em meio à penumbra do Tempo, restando fios de sua memória latentes somente enquanto viverem aqueles que fizeram parte de seus círculos de relações. Depois, tudo volta ao nada, e é assim com a maioria de todas as gentes que existem, que já existiram e que ainda virão a existir. Nosso destino geral é o des-existir absoluto.
O que fazer para driblar as armadilhas do esquecimento e alcançar a permanecência mesmo após nosso desaparecimento físico? Esse é um mistério cuja fórmula o Tempo e a Memória jamais revelam, mantendo acesa a chama da surpresa, do imponderável e do inexplicável. Reflexões como essas me assaltam quando, por exemplo, observo o calendário e verifico que a quinta-feira desta semana, dia 12 de abril, é uma data que se reveste de significância especial para quem trafega pelo universo da literatura e da cultura serrana e gaúcha, pois que estaremos celebrando os 125 anos de nascimento da poetisa Vivita Cartier, nascida a 12 de abril de 1893 em Porto Alegre e falecida em 21 de março de 1919 em Criúva, onde segue sepultada há 99 anos. Arrebatada da existência física por uma tuberculose que lhe fez penar os últimos sete anos de existência, Vivita acumulou somente 25 anos de vida, período em que não casou, não deixou filhos, mas dedicou-se à construção de uma persona poética que legou à posteridade uma dezena de poemas conhecidos e uma trajetória que configurou-se em mito. Como? Por quê? De que maneira seu nome de curta existência e sua obra de modesto volume driblaram as brumas do esquecimento e se fazem presentes, ativos e “audíveis” até os dias de hoje?
Qual o mistério que explica sua permanência e sua influência? Por onde passam os meandros da manutenção da sua memória? Questões como essas, e muitas outras, estarei debatendo com quem desejar comparecer esta noite a mais uma edição gratuita e aberta da Órbita Literária, a partir das 20h, ali na Livraria e Café do Arco da Velha (Rua Dr. Montaury, 1570). Todos convidados.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 9 de abril de 2018)

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Inteligência não é adorno


A inteligência não passa de mero adorno se não produzir ações criativas. A sentença é profunda e causa efeito imediato no leitor, assim que lida, e foi com a intenção de não ofuscar seu brilho natural que decidi começar esta crônica de segunda com ela, abrindo mão do uso das aspas com as quais conviria ladeá-la do início ao fim, uma vez que se trata da citação de outra pessoa, e não uma criação original do autor destas mal-digitadas. Releiamos, pois, agora a frase com as devidas aspas, degustemos o conteúdo de seu propósito e concedamos de imediato os devidos créditos, antes que venhamos a amealhar glórias indevidas.
“A inteligência não passa de mero adorno se não produzir ações criativas” (agora com as devidas aspas para preservar a autoria e com a repetição induzida a fim de reforçar o conceito). O axioma indiscutível advém da mente brilhante de um renomado diplomata australiano chamado Reginald Allen Leeper (1888 – 1968), que esteve presente aos faustosos trabalhos relativos à compilação do Tratado de Paz que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, documento concluído em 1919 e que ficou conhecido como o Tratado de Versalhes. Ao proferi-la, o ilustre membro da delegação britânica procurava insuflar em seus colegas oriundos de várias partes do mundo a se unirem no propósito de produzir um tratado cujos termos concorressem para a criação de um mundo melhor do que aquele do qual emergiam após quatro tenebrosos anos da mais cruel e sangrenta guerra jamais vivenciada até então pela humanidade. A prática, pautada pelo egoísmo, a ganância e a tendência para a trapaça que regem a natureza humana, varreu para baixo do tapete os bons propósitos contidos na sentença e deu margem para a eclosão, 20 anos mais tarde, de outro conflito ainda pior, como bem sabemos.
Mas isso não tira o mérito e nem deslustra a boa intenção contida na frase de Mr. Leeper, uma vez que ela tem potencial para ser aplicada a diversas áreas da ação humana. De minha parte, interpreto-a como um convite à responsabilidade dirigido a aquelas pessoas que desfrutam de acesso ao conhecimento, à cultura e à educação, tornando-se “inteligentes”. Um convite para que usem essa inteligência para propósitos criativos e construtivos, civilizatórios, ao invés de transformar a inteligência, o saber e a cultura em poderosos instrumentos para disseminar ódios, fraudes, preconceitos, ataques gratuitos, geração de inverdades e aprofundamento das desumanidades. Conhecimento traz responsabilidade, mas ela precisa gerar frutos positivos. Estamos fartos de gênios do mal.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 2 de abril de 2001)