Uma comunidade que não valoriza e despreza a cultura, as manifestações e
os processos culturais, engata uma marcha acelerada rumo à barbárie e ao
retrocesso em todos os campos da existência e da civilização, inclusive nas áreas
da economia, do desenvolvimento, da educação, da saúde, da segurança, do bem
estar em geral. Por quê? Ora, simples: porque a cultura é a base primordial e
sólida sobre a qual se edifica a vida em sociedade, estabelecendo e regendo os
valores fundamentais das comunidades. Sem cultura, não há desenvolvimento; o processo
civilizatório estagna e passa a retroceder em marcha-à-ré rumo ao fundo do
poço. Comunidade (país, nação, município, bairro, grupo, empresa, entidade...) que
opta por negligenciar a cultura, estando já a se equilibrar perigosamente sobre
as beiradas do poço da barbárie, comete autofagia, adota postura autodestrutiva.
É aconselhável ter cuidado.
É interessante detectar, ao lançar olhares mais atentos sobre a história
dos países diretamente envolvidos (e mais atingidos pelos efeitos destrutivos)
na Segunda Guerra Mundial, a preocupação e a importância direcionadas ao
resgate urgente das manifestações culturais, por parte dos gestores
encarregados dos processos de reconstrução e também de forma espontânea pela
população em geral. São comuns os relatos de testemunhas, especialmente nos
países europeus, dando conta de que, assim que se encerraram as beligerâncias,
membros sobreviventes de orquestras sinfônicas e de companhias teatrais
trataram de organizar espetáculos em meio aos escombros, resgatando parcela da
dignidade de seus povos, voltando a insuflar lufadas de humanidade e de
civilização assim que se encerrou a barbárie. Era a consequência da compreensão
clara do lugar vital que a cultura ocupa na vida de uma comunidade.
A “fome por cultura” andava ao lado da fome orgânica entre os
sobreviventes do conflito, e precisavam, ambas, serem supridas. Não uma em
detrimento da outra, como poderiam pensar alguns gestores mais despreparados,
imediatistas e míopes, mas, sim, concomitantemente, de acordo com as
possibilidades. O historiador holandês contemporâneo Ian Buruma, em seu livro “Ano
Zero: Uma História de 1945”, analisando esse cenário na Europa finda a Guerra,
escreve: “O que era necessário, tanto quanto comida e combustível, eram mais
escolas, livros, filmes, música, teatro”. Konrad Adenauer, na chefia do governo
municipal da cidade alemã de Colônia, refletia sobre isso observando o caos
deixado pela guerra e complementava: “A imaginação tem de ser alimentada”. Que
mais dizer?
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 26 d março de 2018)