segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Do amarelo ao vermelho

Pois é, não tem jeito, pelo visto, não engano mais ninguém mesmo. Alguns anos atrás, o fato revelador deu-se entre as gôndolas de um supermercado e configurou-se plenamente desculpável, inocente, despretensioso até, quase passível de ser deixado de lado, relegado ao esquecimento. No entanto, eu é que não sabia, mas já se tratava de um sinal amarelo dando o seu alerta. Agora, o fato repetiu-se na maternidade de um hospital e, dessa vez, não teve nada de desculpável, nem de inocente, muito menos de despretensioso. Foi o sinal vermelho mesmo quem ligou a sirene e passou a anunciar insistentemente, em alto e bom som, para quem quiser e para que não quiser escutar (entre estes últimos, eu mesmo): “Marcos, você tem cara de “´nono´”!
Cara, cabelo (especialmente), jeito, porte e... idade! Mais do que tudo, antes do que tudo, acima de tudo: idade! Dizem que ela não vem sozinha, e parece que não vem mesmo. No entanto, é preciso acumularmos uma coleção de sinais (primeiro os discretos amarelos, depois, os escandalosos vermelhos) para que nos convençamos de que o tempo já fez a curva da existência lá atrás, a alguma quadras, quando ainda pensávamos que seria possível seguir pirilampeando pelos campos do Senhor sem que a fatura um dia fosse apresentada. O sinal amarelo foi aceso, no meu caso, uns cinco anos atrás, quando fui às compras em um hipermercado e, ao meu lado, no setor de enlatados, uma jovem mãe carregava no colo o filhinho de uns dois anos de idade. Ao se aproximarem de mim, na seção das ervilhas, o garotinho me viu, estendeu o bracinho e exclamou: “Nono!”. Confundiu-me com seu avô, o pequeno consumidorzinho, para o enrubescimento instantâneo da constrangida mãe e também o meu.
Dias atrás, foi a vez do sinal vermelho. Estava posicionado, já pronto para babar assim que aparecesse pelo vidro da maternidade a figura de minha sobrinha, cujo gritinho ao nascer minha esposa escutara de longe pelos corredores do hospital, quando um senhor ao lado, que observava pelo mesmo vidro seu recém-nascido segundo neto, me olhou e perguntou: “e você, esperando para ver seu netinho também”? Tóin! Não, não era o netinho, era a sobrinha que eu aguardava. Não tenho netos, não sou “nono”, apesar de exibir frente aos olhos do mundo todas as credenciais para essa condição familiar: os cabelos brancos, as entradas e bandeiras que avançam testa adentro, o jeito inconfundível de quem já acumula décadas nas costas.

Não, não sou “nono”. Mas aceito de bom grado a confusão que provoco. Afinal, estou no lucro: ninguém ainda me chamou de “bisa”...
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 19 de fevereiro de 2018)

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