Eu tinha nove ou dez anos de idade, lá na minha longínqua Ijuí natal, em
meados da mesozóica década de 1970, quando um tio piloto de avião me apresentou
pela primeira vez alguns álbuns com as aventuras do personagem Asterix, o
Gaulês. Fiquei fascinado, como não poderia deixar de ser, em se tratando de um
garoto tímido, de óculos fundo-de-garrafa dependurado na ponta do nariz, afeito
à leitura de livros e gibis desde que me conhecia por gente. Devorei aqueles
exemplares e, mais tarde, adquiri toda a coleção, como não poderia deixar de
ser, em se tratado de eu mesmo.
A partir do mergulho no universo em que transitavam aqueles personagens
gauleses que resistiam à invasão romana em 50 a.C., eu me divertia sem perceber
que, por tabela, aprendia muito sobre História do mundo antigo, embalado na
genialidade das camadas de texto criadas pelo roteirista das histórias, o francês
René Goscinny. Mas o que mais me fascinava eram as expressões em latim
exclamadas pelos personagens romanos, que eu absorvia e adotava em meu
cotidiano. A preferida entre todas era “alea jacta est”, ou seja, “a sorte está
lançada”, proferida pelo imperador romano Júlio César em 49 a.C. Sempre que
entrávamos em família no carro de meu pai a fim de empreender viagem para as
praias ou para a fronteira, onde moravam meus avós maternos, lá vinha, do banco
de trás, a frase do Marquinhos: “alea jacta est”, invocando com ela uma viagem
sem percalços. Aparentemente, funcionava. Nas provas do colégio e ao final das
redações (“composições”), na quarta série, tascava a frase, almejando boas
notas. Parecia também funcionar.
Outra expressão que integrava meu repertório latino aos dez anos de idade
era a clássica pergunta “quo vadis?”, significando “aonde vais?”. Certa tarde,
perambulando pelas ruas de Ijuí, deparei com meu avô paterno, de pasta de
trabalho em punho, vindo pela calçada na direção contrária. Assim que nos
aproximamos, interceptei-o e lancei a pergunta: “quo vadis”? Surpreso, mas,
como sempre, espirituoso, meu avô de pronto respondeu: “eu vadis ao Correio”. O
episódio entrou para o folclore familiar, naturalmente.
Hoje em dia, ao deparar com os desestimulantes, aterradores, assombrosos
e surreais fatos que povoam os noticiários a respeito da situação caótica do
país em todos os setores, voltam a me assaltar as antigas locuções latinas,
induzindo-me a inquirir, mentalmente: “quo vadis, Brasil?”. Não o faço, na
prática, por temer que a resposta seja “eu vadis para o fundo do fundo do
poço”. Se for assim, não haverá “alea jacta est” que nos salve...
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 26 de fevereiro de 2018)