No final das contas, tudo pode ser resumido a uma questão de fé, o termo
“fé” aqui empregado, nesta reflexão de segunda, não no sentido religioso, mas
mais especificamente em consonância com a quinta descrição oferecida pelo
Dicionário Aurélio: “crença, confiança”. Tudo é uma questão de confiança,
então, poderia ter de imediato iniciado a escrever o mundano cronista, mas aí se
perderia um pouco do glamour e do sabor do texto, que, a bem da verdade, são os
elementos que acabam capturando a atenção dos cinco ou seis leitores que ainda
insistem em palmilhar estas mal-digitadas linhas; quatro ou três,
descontando-se aquele que sei ter viajado para o Norte e que se recusa a
acessar os textos por internet estando assim, tão distante, que se há de fazer.
Mas, tergiverso.
Queria era conversar sobre a força do crer, reflexão que tomou de assalto
meus pensares ao ler uma passagem do livro “A Volta do Gato Preto”, em que o
escritor gaúcho Erico Verissimo, em sua estada de alguns anos nos Estados
Unidos, na década de 1940, relata o encontro que teve com o romancista francês
Julien Green, quando naturalmente trocaram ideias sobre as nuances do ofício
que os unia: a escrita literária. Green, autor bastante incensado no mundo
ocidental (inclusive no Brasil) em sua época (hoje injustamente esquecido),
afirmava a Verissimo que “o essencial para um romancista é acreditar na
história que está contando. Sem sinceridade, não é possível escrever-se uma boa
história”. Verissimo escuta e reflete que sim, o escritor precisa ser o
primeiro a crer, a ter fé, nas coisas que ele próprio inventa, antes de
arremessar essas coisas no colo do desavisado leitor e esperar que ele nelas
deposite também sua momentânea fé de leitor, a fim de que se estabeleça o pacto
da leitura. Está certo Julien Green. Sem fé, nada feito.
Assim é na vida “de mentira” vivenciada pelos personagens nas vidas de
papel e assim também é na vida de verdade, vivenciada por todos nós,
personagens de carne e osso a transitarmos pelo palco de uma vida concreta que
às vezes nos soa tão irreal e inverossímil que parece estarmos a desempenhar o
papel estabelecido por um roteiro de ficção. Precisamos nos municiar
diariamente de cavalares doses de fé, de crença em nós mesmos, em nossa
capacidade de enfrentar os obstáculos e sermos quem somos ou quem nos propomos
a ser, para que nossas biografias tenham credibilidade no entorno. Mas para que
creiam em nós, precisamos, antes, nós mesmos acreditarmos em nossas próprias
pessoas. Às vezes o mais fácil é ler uma obra de ficção.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 22 de janeiro de 2018)
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