segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Com fé na saga, aí vai

No final das contas, tudo pode ser resumido a uma questão de fé, o termo “fé” aqui empregado, nesta reflexão de segunda, não no sentido religioso, mas mais especificamente em consonância com a quinta descrição oferecida pelo Dicionário Aurélio: “crença, confiança”. Tudo é uma questão de confiança, então, poderia ter de imediato iniciado a escrever o mundano cronista, mas aí se perderia um pouco do glamour e do sabor do texto, que, a bem da verdade, são os elementos que acabam capturando a atenção dos cinco ou seis leitores que ainda insistem em palmilhar estas mal-digitadas linhas; quatro ou três, descontando-se aquele que sei ter viajado para o Norte e que se recusa a acessar os textos por internet estando assim, tão distante, que se há de fazer. Mas, tergiverso.
Queria era conversar sobre a força do crer, reflexão que tomou de assalto meus pensares ao ler uma passagem do livro “A Volta do Gato Preto”, em que o escritor gaúcho Erico Verissimo, em sua estada de alguns anos nos Estados Unidos, na década de 1940, relata o encontro que teve com o romancista francês Julien Green, quando naturalmente trocaram ideias sobre as nuances do ofício que os unia: a escrita literária. Green, autor bastante incensado no mundo ocidental (inclusive no Brasil) em sua época (hoje injustamente esquecido), afirmava a Verissimo que “o essencial para um romancista é acreditar na história que está contando. Sem sinceridade, não é possível escrever-se uma boa história”. Verissimo escuta e reflete que sim, o escritor precisa ser o primeiro a crer, a ter fé, nas coisas que ele próprio inventa, antes de arremessar essas coisas no colo do desavisado leitor e esperar que ele nelas deposite também sua momentânea fé de leitor, a fim de que se estabeleça o pacto da leitura. Está certo Julien Green. Sem fé, nada feito.

Assim é na vida “de mentira” vivenciada pelos personagens nas vidas de papel e assim também é na vida de verdade, vivenciada por todos nós, personagens de carne e osso a transitarmos pelo palco de uma vida concreta que às vezes nos soa tão irreal e inverossímil que parece estarmos a desempenhar o papel estabelecido por um roteiro de ficção. Precisamos nos municiar diariamente de cavalares doses de fé, de crença em nós mesmos, em nossa capacidade de enfrentar os obstáculos e sermos quem somos ou quem nos propomos a ser, para que nossas biografias tenham credibilidade no entorno. Mas para que creiam em nós, precisamos, antes, nós mesmos acreditarmos em nossas próprias pessoas. Às vezes o mais fácil é ler uma obra de ficção. 
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 22 de janeiro de 2018) 

Nenhum comentário: