sábado, 23 de dezembro de 2017

Uma trégua natalina

O episódio ficou conhecido como “Trégua de Natal” e teve lugar em diversos pontos da Europa que serviam de cenário para as sangrentas batalhas que abalavam o mundo durante a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918). O mais significativo aconteceu em dezembro de 1914, 103 anos atrás, a Grande Guerra ainda no começo, sem que ainda se tivesse dimensão das proporções a que o conflito chegaria nos três anos subsequentes. Devido à repercussão negativa que alcançou junto ao alto comando de todas as partes envolvidas no conflito, foi mantido em segredo de Estado durante décadas, até vir à tona anos mais tarde e impressionar a opinião pública.
Como se sabe, a Primeira Guerra Mundial ficou conhecida pelo fato de boa parte de suas batalhas terem sido travadas a partir de trincheiras cavadas pelas partes beligerantes, umas defronte às outras, separadas por centenas e às vezes poucas dezenas de metros. Uma guerra inerte, marcada pela extrema tensão e pelo alto grau de mortandade. Mas em dezembro de 1914, ao longo da Frente Ocidental (especialmente em territórios francês e belga), na véspera do Natal e no próprio dia 25, os soldados de ambos os lados inimigos, especialmente britânicos e alemães, estabeleceram uma espécie de trégua informal e cessaram fogo naqueles dias. Acharam estranho trocarem tiros, bombas e obuses em pleno Natal, quando lembravam nostalgicamente de suas famílias em casa, onde gostariam de estar. E foram além.
Em alguns locais, os soldados saíram de suas trincheiras e se encontraram face a face na “terra de ninguém”, o perigoso território que separava as trincheiras, para confraternizar com os inimigos. Largaram as armas, cantaram juntos canções natalinas, brindaram, trocaram presentes (cigarros, bebidas, rações), riram, confraternizaram. Houve até um caso em que ingleses e alemães disputaram uma partida amistosa de futebol, em pleno campo de batalha. Claro que os comandantes aliados e alemães não aprovaram a história e proibiram explicitamente qualquer confraternização com o inimigo nos natais subsequentes. Afinal, na visão deles, guerra é guerra, não há espaço para tréguas, nem mesmo no Natal. Pena.
Hoje o fato histórico é conhecido e celebrado como uma demonstração de que o espírito de humanidade existe latente dentro de cada um e, quando evocado com boa vontade, pode até subjugar, ao menos por alguns instantes, a ordem belicosa reinante no entorno. Hoje em dia, mais do que nunca, talvez, estejamos necessitando urgentemente de importantes períodos de trégua. Nem que seja no Natal. Um Feliz Natal a todos!

 (Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 23 de dezembro de 2017)

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