terça-feira, 5 de dezembro de 2017

A quem a cultura incomoda

Hanns Johst (1890 – 1978) é um artista que a população alemã não gosta muito de lembrar. Seu nome é um daqueles exemplos de personalidades que acabaram entrando para a História pela porta dos fundos devido às opções e atitudes assumidas ao longo da vida. Como sabemos, precisamos ter consciência de que responderemos eternamente pelas opções e atitudes que adotamos, mesmo que isso acarrete mergulharmos no obscuro lixo da História. Alguns o fazem deliberadamente, outros o fazem inconscientemente, mas a posteridade não abranda as consequências das nossas atitudes mesmo que pretendamos justificá-las com alegadas boas intenções. Elas (as tais das boas intenções) povoam o inferno, como atesta a sabedoria popular. E o desconhecimento da lei, da ética, dos valores, não absolve o infrator de responder pelas escolhas feitas. É prudente termos isso sempre muito claro.
Esse Hanns Johst, por exemplo, era um poeta e dramaturgo alemão que aderiu entusiasticamente desde a primeira hora à ideologia psicopata, racista, assassina, incivilizada, desumana e abominável do nazismo capitaneada por Hitler, Goering, Goebbels, Himmler e outras bestas-feras travestidas de gente. Foi um dos grandes intelectuais alemães a erguer a voz para defender, aplaudir e incentivar a queima de livros considerados “anti-germânicos” nas universidades alemãs nos meses de maio e junho de 1933, quando foram para as chamas obras de autoria de Albert Einstein, Thomas Mann, Sigmund Freud, Karl Marx, Heinrich Heine e muitos outros. Incinerar livros, desprezar a cultura em geral, configurou, na Alemanha da época, apenas um ensaio em direção à eliminação e queima de seres humanos dali a alguns anos. Cercear as artes, desprezar a importância da cultura, amarrar e emudecer artistas são atitudes sempre temerárias, em qualquer parte do mundo, em qualquer época.

Também é de autoria de Johst a peça “Schlageter”, encenada pela primeira vez por ocasião do 44º aniversário de Hitler, em 20 de abril de 1933, celebrando sua conquista do poder na Alemanha. Vem de uma das falas de um dos personagens a tristemente famosa frase “quando ouço falar em cultura, solto logo a trava de minha pistola”. Infelizmente, a ameaçadora e simbólica sentença segue sendo atual na boca, nas intenções e nas atitudes de muita gente, em várias partes do mundo. Johst foi capturado pelos Aliados no final da Segunda Guerra, condenado por suas atitudes nazistas e caiu em desgraça. Foi varrido para a lixeira da História. A porta dos fundos sempre está aberta para quem quiser cruzá-la É preciso ter cuidado.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 4 de dezembro de 2017)

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