segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Tem queijo no meu sorvete

O surgimento e o estabelecimento de “manias” temporárias, também conhecidas como “febres” ou “ondas”, revela muito a respeito do espírito da época em que se vive. “Diga-me a onda em que surfas e dir-te-ei quem és”, poderia sentenciar uma pitonisa, sabendo todos nós que, na atualidade, pitonisas e oráculos foram substituídos pelos consultórios de psicologia. Uma das ondas que parece ter vindo para ficar, ou, pelo menos, para durar por um bom tempo, é essa de conferir sabores diversos a produtos que, na sua origem e essência, em nada se relacionam a eles, provocando surpresas (e às vezes, sustos) aos consumidores.
Uma das mais facilmente verificáveis se dá no âmbito das cervejas artesanais. Tenho um amigo que está perdida, profunda e ebriamente deslumbrado pela onda da saborização das cervejas, o que o conduz a degustar com fascínio copos espumosos de cervejas com sabor de mel, de café, de barril de carvalho envelhecido (não imagino o gosto de um barril de carvalho envelhecido, mas já provei, pelo menos, um copo de cerveja que garante estar a oferecer essa sensação gustativa), de pitanga colhida por jovens ruivas e assim por diante. Abre-se a garrafa, despeja-se a cerveja no copo, mete-se o beiço na borda e, ao empinar, o que as papilas gustativas detectam não é o tradicional sabor amargo do lúpulo misturado à cevada, mas, sim, sabores dessas coisas e de coisas outras, que não cerveja. Já cheguei ao extremo de degustar, certa feita, uma cerveja com sabor de bacon. E havia até um porquinho voador desenhado no rótulo. Ah, juro! Juro mesmo!
De minha parte, minha onda é mais mansa, uma marolinha. Sou adepto dos sorvetes com gostos surpreendentes e assíduo frequentador de uma sorveteria em Porto Alegre cujos sabores da sorvetança me fascinam. Jamais volto da Capital sem ter suprido, no dito estabelecimento, minha dose sazonal de sorvete sabor queijo, por exemplo. Uma delícia! Tem também o sorvete de amendoim, com gosto de amendoim descascado. E o de milho verde! O de melancia, o de abacate, o de melão, com a sensação de melão fresquinho recém cortado!

Não me espanta se chegar o tempo em que, para saborear um café de manhã, terei de beber uma cerveja e, para a cerveja do happy hour, tiver de devorar uma bola de sorvete. Comerei melancias com gosto de mel e, para a base de meu risoto, picarei bananas a título de cebola frita. Ó, admirável mundo novo! Em uma era em que as máscaras tomam conta do salão, torço para que a maré amanse e tudo não passe de ondas.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 44 de setembro de 2017)

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