segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Xeque-mate na "bisca"

Após duas décadas e meia vivendo na Serra Gaúcha e por mais de 15 anos frequentando Uvanova, essa simpática e discreta cidadezinha situada na divisa entre Vila Faconda e Tapariu, encravada ao pé (ou às patas) do Rio das Antas, descobri que qualquer pessoa provida com um mínimo de inteligência aprende a jogar bisca. Prova disso é que eu não aprendo. Já tentaram de tudo, meus sogros, minha esposa, meus cunhados, os primos de meus cunhados e de minha esposa, as tias e os tios de minha esposa e cunhados, os vizinhos, as crianças semialfabetizadas, os primos dos primos e os tios dos primos e os cunhados dos tios dos primos e agregados vindos de todas as redondezas (porque a família ali é grande e não há quem não saiba jogar bisca), mas não adianta. Eu não aprendo.
Chego a provocar espanto até entre os bois e as vaquinhas da roça, que me fitam de olhos esbugalhados sempre que surjo, e sei bem o que ruminam quando passo me enroscando nos arames farpados e estapeando mosquitos: “muuu, lá vem aquele que não sabe jogar bisca”. Sou motivo de espanto imensurável entre todos os uvanovenses devido a essa minha peculiar incapacidade cognitiva. “Esse homem joga xadrez e não aprende a jogar bisca”, já flagrei sussurrarem enquanto mexiam a mêscola dentro do tacho a produzirem massa de tomate. Que eu não saiba sacudir a mêscola, até admitem. Mas não aprender bisca, sacramento!
Além do mais, não é verdade que eu saiba jogar xadrez. Domino apenas o movimento de cada peça e consigo fazer cara de gênio enquanto fico uns 15 minutos com a mão no queixo observando o tabuleiro antes de mover decidido – pam! – a torre duas casas à frente para vê-la de imediato – pam-pam! – ser capturada pela dama adversária, que não precisou mais do que 15 segundos para detectar minha babaquice. Fico constrangido quando uma dama captura minha torre mas, pelo menos, no xadrez, engano durante algum tempo. Na bisca, escancaro minha burrice já na primeira rodada, quando não entendo o que é um “cargueiro” ou o que acontece quando sou “estroçado” (han?) e por que diabos antes o sete de copas era o cara e agora não vale nada? Ah não! Desisto. No xadrez, a rainha é sempre a rainha; o bispo só faz o que os bispos fazem. O mundo representado pelo jogo de xadrez parece estável, com regras claras e imutáveis.

Já a bisca... A bisca representa a mutabilidade imprevisível da vida. E ela, em si, já é tão difícil de apreender. Nesse cada vez mais caótico mundo em que vivemos, tenho preferido a ilusória segurança das certezas do xadrez. Isso, até levar o xeque-mate, claro...
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 7 de agosto de 2017)

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