segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Coelhos para encher o bolso

Queríamos ganhar dinheiro. A mesada que recebíamos de nossos pais não estava sendo suficiente para suprir nossas necessidades adolescentes. Eu, por exemplo, desejava adquirir logo todos os livros de Monteiro Lobato que ficavam expostos nas prateleiras da Livraria Progresso, bem como colecionar todos os títulos de gibis dos heróis Marvel que surgiam mensalmente na banca de revistas também batizada de Progresso. Havia muito progresso na nossa Ijuí natal (Rádio Progresso, Armazém Progresso...) e queríamos também progredir, meu primo e eu. O que ele planejava fazer com sua parte do futuro dinheiro que ganharíamos, eu nunca soube, mas um propósito nos unia: empreender.
Tínhamos a mesma idade (ainda temos), cursávamos a mesma classe na escola e, por volta dos 15 anos (início da década de 1980), sentamos para planejar. O pai de um colega, dentista famoso na cidade, instalara uma criação de coelhos em sua chácara e fomos lá visitar o empreendimento, cujo mercado era promissor. Achamos aquilo relativamente fácil de administrar e decidimos: criaríamos coelhos (estávamos convictos de que ficaríamos ricos vendendo ovos de páscoa, se alimentássemos e treinássemos bem aqueles coelhos). Meu pai liberou um pedaço do terreno nos fundos de casa para instalarmos ali o futuro viveiro. Pegamos enxadas numa tarde de sol e limpamos a área onde ergueríamos as gaiolas. Agora só faltava construí-las e adquirir os coelhos.
Mas precisávamos de dinheiro para o investimento inicial, o tal do capital de giro. Verificamos nos bolsos que nosso capital não girava além de algumas moedas sobradas de troco dos gibis e das merendas. Tínhamos primeiro de fazer dinheiro para investir no empreendimento que, depois, nos traria fortuna. Que coisa complicada essa vida de capitalistas! Mas fomos em frente. Aceitamos trabalho temporário de dois meses, nas férias, para administrar uma lojinha de especiarias pertencente a um tio-avô enquanto ele veraneava no litoral. Guardaríamos os salários para construir as gaiolas e comprar dois casais de coelhos, torcendo para que se reproduzissem com rapidez (não lembro de termos orçado as cenouras e as couves).

Na segunda semana de trabalho, meu primo derrubou ácido acético no pé e teve de ser substituído por outro colega. Meu sócio, então, retirou-se do projeto, que acabou naufragando junto com os salários devidamente torrados em gibis, livros e lanches. Nenhum de nós jamais criou coelhos. Quem saiu no lucro foi meu pai, com a roçada gratuita que fizemos no terreno de casa. Aprendemos que empreender não é brincadeira.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul,em 21 de agosto de 2017)

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