Vender a alma ao diabo, fazer o pacto com as forças
obscuras das profundezas abissais em busca de poder, glória, dinheiro e outras
benesses é um símbolo e um recurso alegórico amplamente explorado pela
literatura a fim de aprofundar o olhar sobre as nuances da alma humana. Facilmente
seduzidos por promessas de artimanhas que lhes proporcionem os maiores ganhos
frente aos menores esforços, os seres humanos, em essência e no geral, cortejam
a ideia de negociar o que lhes seria o bem imaterial mais precioso (simbolizado
pela alma) em troca de benefícios egoístas, imediatos e autocentrados que lhes
posicionem em ponto superior e favorável em relação ao próximo, estabelecendo
com ele distâncias artificialmente criadas, deixando o próximo cada vez mais longe.
Esse é o termo principal do pacto. O outro, se dá ao final, representado pelo
resgate da alma do “beneficiado”, quando, então, ele sofrerá as drásticas e
irreversíveis consequências de sua escolha e não haverá mais a quem recorrer.
Mas aí o caldo já terá entornado.
A literatura aborda o tema do pacto sinistro há séculos,
com ótimos autores debatendo a questão por meio de personagens e tramas
inesquecíveis. “Fausto”, de Goethe (1749 – 1832), é o primeiro que vem à lembrança
quando se trata do assunto, baseado na peça teatral criada anteriormente pelo
dramaturgo Christopher Marlowe (1564- 1593), “A Trágica História do Dr.
Fausto”. Thomas Mann retoma o tema já no século 20 com seu romance “Doutor
Fausto” e a questão do pacto com um ser mefistofélico em busca da conquista de
projetos pessoais sempre está no centro das tramas. O menos conhecido Edelbert
Von Chamisso (1781 – 1838) faz o mesmo em seu “A História Maravilhosa de Peter
Schlemihl.”
No Brasil, Guimarães Rosa (1908 - 1967) também insinua a
questão como pano de fundo possível para as motivações de seu jagunço Riobaldo,
protagonista de “Grande Sertão: Veredas”. Desde o início do romance, Riobaldo mostra-se
preocupado com o problema da existência ou não do demônio e a possibilidade (ou
não) de firmar um pacto com ele. Já quase no final da caudalosa obra, o
personagem chega a uma conclusão inequívoca, expressa por suas próprias
palavras: “Digo ao senhor: o diabo não existe, não há, e a ele eu vendi a alma...
Meu medo é este. A quem vendi? Medo meu é este, meu senhor: então, a alma, a
gente vende, só, e sem nenhum comprador”. Negociamos (ou nos desvencilhamos) nosso
bem mais precioso (a alma, que evoca nossa ética, nossa moral, nossa
humanidade) mesmo sem que haja nenhum comprador. O mal reside é nisso.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 5 de junho de 2017)
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