segunda-feira, 22 de maio de 2017

Há bárbaros na trincheira

Se é verdade que a História se repete como farsa (a rigor, a frase de Karl Marx, pensador alemão que viveu ente 1818 e 1883, diz assim: “A História se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”), então, frente aos tufões políticos recentes que sacodem o país, achei por bem dar uma revisitadinha básica em alguns pontos do passado que talvez possam lançar alguma luz na escuridão que por aqui vivenciamos nesse assombroso presente. Lembrei, então, da queda do Império Romano, e lá fui eu, aos alfarrábios, para ver se aprendia alguma coisa.
O portentoso e poderoso Império Romano já vinha decaindo em todos os aspectos (político, militar, social, ético e moral) há muito tempo, quando as famosas invasões bárbaras foram corroendo e enfraquecendo cada vez mais suas estruturas, lá nos meados do século cinco depois de Cristo. “Bárbaros” era como os romanos classificavam os povos que viviam em tribos a leste do Império, em regiões hoje conhecidas como Alemanha, Áustria e redondezas. Em resumo, “bárbaros” eram aqueles que não falavam latim (a língua oficial do Império), não seguiam as leis romanas e não participavam da civilização da forma como a romanada entendia o conceito.
E os tais bárbaros vieram e botaram tudo abaixo de vez, decretando oficialmente a queda do Império Romano em 476 d.C., com o saque liderado por Odoacro, chefe dos hérulos (povo germânico originário do sul da Escandinávia). A data específica se dá devido à conquista de Roma, a capital do Império, que, àquela altura, já andava meio abandonada, com boa parte dos moradores tendo fugido para o interior, prevendo a vindoura desgraça final. E se tem coisa que a humanidade sabe há milênios é isso: se uma desgraça se anuncia e dá sinais de que vem, ela acaba vindo mesmo.

Li essas coisas e fiquei refletindo, especialmente sobre essa forte imagem dos bárbaros que não falam a mesma língua do povo, que vivem leis próprias que se impõem às leis que regem o povo e estão a serviço de seus próprios interesses e que, por fim, acabam por protagonizar a derrocada absoluta desse povo, saqueando-o, vampirizando-o, fragilizando-o, subjugando-o, barbarizando-o de todas as formas. E saem ilesos depois da queda do império. Fácil encontrar semelhanças frente ao que vivemos hoje no país. Com uma diferença crucial e ainda mais estarrecedora: no nosso caso, os bandos de bárbaros não precisam cruzar fronteiras e vir de longe apodrecer as bases da civilização. Eles agem por dentro mesmo, a partir das entranhas dessa mesma civilização, tendo sido gerados entre nós.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 22 de maio de 2017)

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