segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Moedinhas no bolso

Não se trata de sparagnar (“poupar”, “economizar de forma avarenta”, cujo significado logo aprende, a partir do dialeto “talian”, todo imigrante moderno que venha habitar estas plagas serranas), mas, sim, de saber utilizar até o final a capacidade operativa que proporciona qualquer produto que se tenha adquirido com o soldi (“dinheiro”) advindo do fruto do seu lavoro (“trabalho”). Depois de alguns anos residindo em Uvanova, em Tapariu ou mesmo Vila Faconda, a gente descobre que há sabedoria no ditado dos antigos, ao alertarem que “qui sparagna el gato magna” (“quem economiza, o gato come”, em tradução livre e mescolada deste lavoroso cronista), admoestando aqueles que pensam que vão enriquecer mantendo a mão fechada a qualquer custo, sendo que, conforme as nonas (e as irmãs das nonas, que, para todos os efeitos, são as tias), da vida só se leva a vida que se levava e moeda em bolso de defunto não ilumina parede de caixão (essa inventei agora, ao sabor do entusiasmo). Mas, apesar disso, esbanjar desmesuradamente sempre foi, é, continua sendo e sempre será pecado. Certas as nonas.
Penso nisso sempre que chega ao fim um pote de xampu no banheiro. Reluto em aceitar o advento do esgotamento absoluto e irreversível do conteúdo daquele recipiente de artigo capilar. As informações na embalagem prometem 200 ml de produto. Mas, será que havia mesmo tudo isso ali dentro? E, se sim, consumi de fato tudo em meus a cada dia mais esparsos cabelos? Acabou? Morreu? Não mais xampu? Terei de abrir outro? Custo a acreditar. Destampo a embalagem e meto um pouco de água dentro, embaixo do chuveiro. Tampo com a mão, chacoalho com força para que a água lave as paredes do tubo e extraia os resquícios de xampu que nelas ainda se agarram. Ah, varda só (“olha só”, um híbrido ítalo-brasileiro), ainda rende mais uma ensaboada. Alora (“então”), mãos à obra, ainda consigo mais uma lavada. Afinal, salame não dá em árvore, como descobriram já na chegada os primeiros imigrantes que vieram para cá com o sonho de conquistar a cucagna (“fortuna”) e acabaram dando de cara com banhados de pissacán (“pissacán” é pissacán mesmo, lamento).

Não quero sparagnar, mas também me recuso a esbanjar. É por isso que bebo até a última gota da garrafa aberta de espumante, mastigo até a última migalha do pão assado na palha, chupo a casquinha do pistache (onde reside a maravilha do sabor) antes de colocar fora. Ah, e levo sempre umas moedas no bolso. Pois vai que brilhem no caixão. Afinal, o seguro morreu de velho. Morreu, como todos, é verdade. Mas de velho.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro" em 6 de fevereiro de 2017)

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