Nos anos 1990, a gastronomia típica italiana vigente na
Serra Gaúcha sofreu uma ameaça de abalo a partir da inserção do javali entre as
iguarias que por aqui aterrissavam nas mesas dos restaurantes e embalavam as
reuniões de amigos que se aventuravam a escantear a polenta com formaggio e o frango
al primo canto. A costela assada de javali, o lombo de javali ao forno
acompanhado com molho de menta, o quarto de javali preparado para ser abocanhado
à gaulesa fizeram sucesso entre os apreciadores do bem comer, adaptando-se ao
tradicional acompanhamento do radicci com bacon a título de salada e à sobremesa
de sagu quente (sobre a qual pairam controvérsias que agora não vêm ao caso).
Mas a onda durou pouco. Arrefecida a euforia inicial, a
javalizada se reproduziu como praga, passou a vandalizar as lavouras em gangues
descontroladas e decaiu no gosto popular, sendo varrida dos cardápios para o
retorno triunfante da bela polenta com queijo, das sopas de capeletti e de
agnoline, da codorna ao molho, do bígoli com guisado, do churrasco de gado e de
porco, dos peixes fisgados das pesqueiras. Falando em peixe, registre-se a passageira
fase das trutas ao molho de amêndoas, que não chegou a abalar o império das
velhas e boas tilápias fritas na banha.
Mas, como tudo na vida é sazonal, uma nova onda
gastronômica finca fundações sólidas por nossas serranices: o fascínio pelos
sushis. Estamos determinados a apreciar os delicados sabores dos coloridos acepipes
oriundos da gastronomia japonesa, inclusive trocando os talheres pela
manipulação dos pares de pauzinhos. Problema sou eu, claro. Noite dessas,
infiltrado em evento enogastronômico refinado, detectei, em um dos cantos, o
(agora) já tradicional bufê de sushi. Como todo bom habitante da Serra, pensei
“oba, sushi” e lá fui eu, pratinho em punho, pauzinhos na mão, a pinçar
unidades para depois saborear com a esposa.
Só que, ainda destreinados, meus dedos não conseguiam
manter paralelas as varetinhas, que insistiam em fazer um xis cruzado enquanto
eu tentava capturar um encantador sushizinho recheado com algo verde, que
acabou arremessado em efeito catapulta contra o meu peito, quicou e foi rolar
no chão bem embaixo da sola de meu sapato que nesse instante pisava e achatou o
rolinho, agora impróprio para consumo. Minha esposa, acometida por um
incontrolável acesso de riso, saiu pela tangente e me deixou ali, imóvel,
salivando de desejo secreto por uma suculenta picanha no espeto, nem que fosse
de javali. Não adianta, na hora do aperto, sempre apelamos para a tradição.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de novembro de 2016)
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