segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O recado da torradeira

Não somente os animais e as pessoas, mas também os objetos que nos cercam e nos servem têm uma vida útil com tempo finito, com prazo de validade. Nas coisas inanimadas que povoam e facilitam nossa vida cotidiana costuma ser mais fácil detectar o advento do momento em que começam a bater à porta da necessária e merecida aposentadoria. Mais fácil do que verificar essa mesma situação rondando os nossos bichinhos de estimação, os nossos entes queridos, os nossos amigos e, especialmente, a nós mesmos. Pendurar as chuteiras não é uma decisão fácil para ninguém. Perceber que o outro precisa pendurá-las requer sensibilidade aguçada, instrumento que nem sempre está calibrado em nosso íntimo, normalmente voltado às demandas do umbigo, órgão que na maioria dos humanos parece ditar a existência.
Mas os objetos também aportam, em dado momento de suas existências inanimadas, na fase em que precisam ser agraciados com o merecido descanso e, se não descartados, ao menos substituídos por outros mais jovens, melhor habilitados a dar sequência às demandas diárias. Parêntesis para refletir se máquinas de lavar roupa, liquidificadores, ventiladores e enceradeiras podem ser classificados na categoria de objetos inanimados? Sim, claro, podem; pelo menos, enquanto estiverem fora das tomadas. Aliás, existe objeto mais animado do que um televisor sintonizado em programas de auditório? Ou nas sessões ao vivo do Congresso Nacional? Bom, retornemos ao foco.
Penso essas coisas ao observar, daqui da mesa do jantar, a torradeira que parece me olhar de volta dali de cima do balcão da pia, para onde foi requisitada esta manhã, a fim de animar duas fatias de pão de forma que deveriam vir à mesa do desjejum uniformemente torradinhas, douradas e crocantes, a fim de receberem a manta de manteiga que faria meu dia começar mais inspirado. Sim, confesso: levantei da cama almejando um abrir de dia em clima de propaganda de margarina, já que havia sol e passarinhos cantando. Para completar o quadro, faltava apenas um par de cinematográficas torradas que, infelizmente, a velha torradeira, companheira de tantos amanheceres, não foi capaz de me proporcionar, apesar de bem intencionada, como sempre.
Ela não consegue mais equilibrar uniformemente o calor pela superfície da fatia do pão, que chega à mesa esturricado em baixo e ainda cru na parte superior. E não existe meio-termo em torrada. Ou seja, terei de trocá-la, velha amiga. Terás de sair de cena para dar lugar ao novo. Esse tipo de coisa sempre é meio triste para quem tem o coração ainda ligado na tomada.


(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 21 de novembro de 2016)

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