segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O espinho que cala as rosas

Cartola, o Mestre do samba bom, nos ensinou a cantar que as rosas não falam. Sempre cantarolei o samba e dei crédito à tese do artista: as rosas do jardim, às quais às vezes recorremos para nos queixar das tristezas de nossos corações, não falam. Elas se resignam a simplesmente exalar o perfume que roubam de nossos amores perdidos. Isso é o que canta literalmente o samba, servindo como metáfora amplificadora para vários outros sentimentos. Aprendi, assim, ao escutar Cartola, que as rosas, então, não falam. Mas desde a noite da última quinta-feira, aprendi também que as rosas, se não falam, choram.
As rosas e todas as flores de todos os jardins, parques, floristas, matos, campos, salas, canteiros e vasos de todos os recantos da Serra Gaúcha estão, sim, mudas, caladas, chocadas e estarrecidas. Nada falam. E choram. Pode-se sentir a tristeza estampada em cada pétala de cada flor serrana, em cada delicado espinho de rosa, em cada fino caule. O perfume que exalam as flores da região, desde a quinta-feira à noite, dia 3 de novembro, é um perfume de dor. A dor da perda irreparável. A dor da tragédia insana. A dor do luto que rasga fundo. A dor da impotência frente ao horror. A dor de um mundo que se fecha cada vez mais à beleza das flores e mergulha na escuridão exalada pelo fracasso de toda uma civilização, assolada pelo espinho da violência. Quem consegue medir essa dor? Quem consegue represar esse pranto? Quem conseguirá consolar essas rosas que não falam e choram?
As rosas da Serra Gaúcha e todas as suas irmãs flores perderam na semana passada o seu afetuoso soberano. O Mago das Flores foi vítima da violência indiscriminada e bárbara que infecta todas as esquinas da vida brasileira, para se transformar em um número a mais no placar da contagem da violência. Nenhum dos números daquele placar é somente um número a mais. Cada uma daquelas vítimas provocou o pranto das rosas que habitam as almas de seus entes queridos, e as fez murcharem de dor. As flores de nossas cidades estão murchas de dor. Elas choram. Quantas flores serão necessárias para consolar a perda do Mago das Flores? E de cada uma das famílias das vítimas da mesma violência ao longo deste ano e dos anos passados? E dos que estão por vir?

Enquanto persistir o luto, quem se impõe são os versos dos Titãs, ao dizerem que “as flores têm cheiro de morte, a dor vai curar esses cortes”. As flores, dizem eles, se são de plástico, não morrem. Fernando Weber, o Mago das Flores, não era de plástico. Ele levou um tiro e morreu. E as rosas, agora, calam e choram.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro e 7 de novembro de 2016)

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