segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Espinafre e salsaparrilha

É difícil crer que a indústria alimentícia norte-americana tenha conseguido incrementar a venda de espinafre enlatado a partir da década de 1930, na esteira do sucesso do personagem Popeye nos cinemas (via desenhos animados) e nos quadrinhos (via tiras de jornal e gibis). O marinheiro caolho consegue obter uma força sobre-humana para enfrentar seu rival Brutus sempre que engole o conteúdo de latas de espinafre, como bem sabemos todos os que temos contato com a cultura pop gerada no século 20. Espinafre dá força? Ok, então, vamos comer espinafre. Se não foi, ao menos esse deveria ter sido o mantra, afinal, é preciso que essas coisas sirvam para algo útil.
Espinafre, ao menos, é possível encontrar nos supermercados e nas feiras de bairro perto de casa, diferentemente da poção mágica do druida Panoramix, que também concede força incrível para que os guerreiros gauleses Asterix e Obelix desçam a lenha nas legiões romanas que tentam conquistar toda a Gália na época do Império Romano de Júlio César. O portentoso Obelix devora javalis assados inteiros nos festins ao final de cada aventura, é verdade, e esse tipo de carne já é mais fácil de encontrar se alguém desejar seguir o exemplo de seu herói do mundo da fantasia (o javali viveu dias de glória na gastronomia da Caxias do Sul dos anos 1990, mas hoje anda meio amuado nos cardápios). Já os admiradores de Garfield, o gato alaranjado, encontram mais facilidade em se sintonizar com as preferências gastronômicas do personagem, que é fissurado por lasanha. Os viciados em hambúrguer podem não saber, mas estão rendendo loas ao Dudu, o amigo do Popeye, que devora pilhas do lanche em questão de minutos.

A dupla de estômagos-sem-fundo Salsicha e Scubidu devora o que vem pela frente, na quantidade que for. A Magali, amiga do Cebolinha, tem paixão por melancia. Os patinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho amam a torta de maçã preparada pela Vovó Donalda. O Pateta engole superamendoins para se transformar em super-herói. O gato Tom saliva por ratos como Jerry, apesar de nunca conseguir saboreá-lo (mesmo drama vivido pelo Coiote que persegue o avestruz Papaléguas). Por outro lado, a argentina Mafalda tem aversão aos pratos de sopa empurrados por sua mãe e que são alegremente sorvidos pelo seu irmãozinho Guille. O contraponto fica por conta dos brasileiríssimos Zeferino, Graúna e Bode Francisco Orellana, habitantes da Caatinga criados por Henfil, cujos estômagos roncam de fome mesmo. A moral disso tudo? Falar de comida, né, madama, que é o que nos irmana e interessa, no final das contas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de setembro de 2016)

Nenhum comentário: