quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Dante e o Pokémon

Um pouco de filosofia para introduzir a crônica de hoje e revesti-la com certa dose de consistência, uma vez que com leveza nem mesmo a balancinha aqui de casa está acostumada: por meio da experiência e da observação, aprendemos que as nuances da vida não são unas. Nada é absoluto e único. A dualidade permeia tudo e Janus, o deus das duas faces, parece ser quem baila a baqueta e dirige o coro da vida. Tudo tem dois lados. Sempre há mais de um viés por meio do qual ressignificamos o que nos cerca. Bem, feitos os rasgos filosóficos, desbarranquemos logo ao mundanismo crônico e vamos adiante com isso.
Porque tudo pode ter mais de um ponto de vista, alguns leitores atilados (e os leitores destas semanais mal-traçadas são bastante atilados) me ensinaram a debruçar um olhar diferente ao fenômeno da caça aos Pokémons, atividade viralizada que vem pautando o cotidiano de dezenas de centenas de milhares de pessoas virtuais (é, tem gente que já virtualizou quase que completamente sua própria existência) ao redor do planeta. O joguinho conhecido como Pokémon Go, que espalha pelas esquinas do mundo a turba de caçadores atrás dos bichinhos escondidos virtualmente em cenários reais e visitados ao vivo, apresenta como característica positiva o fato de fazer as pessoas circularem pelos ambientes físicos reais que as circundam em suas cidades. Assim, a turma levanta o sentante da poltrona e do sofá e se bota a caminhar pela aí, tudo bem que com a fuça mergulhada na tela do celular, mas ao menos botando os pés em praças, parques, ruas.

Vejo gente caçando Pokémon na Praça Dante Alighieri, no centro de Caxias do Sul. Olha, tem um ali sentado no colo da estátua de Beatriz. Seria interessante se o Pokémon, antes de ser capturado, pudesse informar ao caçador alguma coisa sobre o local em que estava escondido, pois não? A estátua de Beatriz, por exemplo, Pokémon, foi criada pela artista plástica caxiense Dilva Conte e instalada ali no ano passado, pertinho do busto de Dante, para lhe fazer companhia, sabia? Beatriz era a musa inspiradora do poeta italiano Dante Alighieri (1265 – 1321), autor do famoso livro “A Divina Comédia”, Pokémon. Pouco mais de um século atrás, a comunidade de Caxias do Sul empreendeu altos esforços para arrecadar a verba necessária para produzir o busto de Dante, com bailes artísticos, saraus etc, sabia? Nossa praça tem mais coisas, Pokémon, vem. Quer ver? Ah, está sem tempo, precisa se esconder? Tá, vai ali atrás do Monumento Gigia Bandera. Outra hora falamos sobre ele, Pokémon. Agora, go!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 12 de setembro de 2016)

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