terça-feira, 2 de agosto de 2016

Nem Salvador e nem Bode

Neste longo período de conflagração política que estamos vivendo no Brasil, em que as ruas e praças das cidades são tomadas por grupos defensores de facções diversas (inimigas, inconciliáveis e intolerantes entre si), é interessante observar o alcance da imaturidade cívica que pontua a forma de agir, de pensar, de se posicionar e de se expressar de certas parcelas dos brasileiros, de lado a lado. Em que pese o fato louvável de os cidadãos decidirem se desacorrentar da inércia do sofá da sala e irem às ruas manifestar seus posicionamentos, ainda há muito a avançar em termos da civilidade necessária para conduzir essas manifestações a caminhos que resultem de fato no aprimorar da cidadania, da vida política e na conquista de melhores condições de vida no país.
Em resumo, não é jogando pedras nos outros que vamos convencer esses outros de que somos melhores ou diferentes do que eles, a quem acusamos de justamente jogarem pedras. O entusiasmo do abraço à causa parece levar certa parte dos brasileiros a esquecer que os fins nunca justificam os meios e que a intolerância, a raiva, a agressividade, o ódio, a demonização jamais servirão de alicerces para construir uma sociedade melhor, mais justa, mais fraterna, menos corrupta. Jamais. Quem rouba não me representa. Quem defende os que roubam não me representa. Mas quem prejulga também não me representa. Quem coloca todos na vala comum não me representa. Quem quer linchar o ladrão não me representa, porque está atropelando a seara das leis e da Justiça. Quem quer linchar acusados de crimes antes mesmo de terem sido julgados e quem não quer sequer escutar argumentos contrários não me representa. Quem odeia não me representa.

O que parece é que os dois principais grupos estão polarizados na adoção de antigas crenças populares (antagônicas entre si) que reduzem o mundo à banalização das intenções. O Grupo A elegeu no Grupo B e seus representantes a figura do Bode Expiatório, contra o qual pesa a responsabilidade por todos os pecados do país. Acreditam que, sacrificando o Bode e seus representantes, o paraíso se instalará na Terra como que por milagre. Já o Grupo B idolatra a figura do Salvador da Pátria, que pode ser representado por determinada(s) pessoa(s) ou instituições, por meio da(s) qual(ais) o paraíso será conquistado. Ambos estão cegos e só passarão a enxergar a partir do momento em que perceberem a necessidade de promover a autocrítica pessoal interna, único caminho para a conquista da maturidade, da cidadania e da construção de uma sociedade menos doente.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de agosto de 2016)

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