quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Nem neve, nem santinhos

Já sou conhecido pela turma de carteiros e carteiras que atendem o bairro em que moro, uma vez que demando deles bastante trabalho na entrega de encomendas que faço via postal, atraindo até minha casa livros, revistas, discos e filmes para completar minhas inextinguíveis coleções. “Encomenda para o senhor Marcos”, avisa pelo interfone o bravo funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, e lá despenco eu do décimo-primeiro andar, pantufas nos pés, coração ansiado acompanhando o visor do elevador a me desembarcar logo no térreo para que possa descobrir qual encomenda chegou e pelas mãos de qual de meus já amigos carteiros: o senhorzinho que gosta de ler e que já foi presenteado com livro de minha autoria; a moça da van de Sedex; o rapaz da motocicleta ou a rapariga caminhante.
Dessa vez é a rapariga caminhante, simpática (como todos) e conversadora, que entrega o pacote e pede para assinar na linha marcada. Hoje ela veio cedo e me achou em casa. “Não o tirei da cama, senhor Marcos?”, brinca. “Não, eu sabia que você viria e já estava cedo de guarda”, devolvo, assinando na linha ao lado do xis. Pelo jeito, ela gosta do que faz e compartilha uma sutileza de sua profissão que até então eu sequer desconfiava: “A campanha eleitoral dificulta nossa vida; as caixinhas de correio ficam lotadas de propaganda e santinhos e não sobra espaço para colocarmos a correspondência”. Verdade, não havia percebido isso. É importante que nós, moradores/eleitores, mantenhamos nossas caixas de correspondência regularmente esvaziadas, especialmente em período eleitoral, sob pena de não recebermos nossas encomendas e nossas cartas (cartas, não, que ninguém mais recebe carta, mas as faturas, as contas, os boletos e as multas de trânsito).

Vejo-a trotar rua abaixo com a pesada sacola às costas e me invadem a mente as belas palavras do lema dos carteiros norte-americanos, que diz mais ou menos assim: “Nem a neve, nem o frio, nem a chuva, nem o calor e nem a escuridão da noite impedirão estes carteiros de cumprir com agilidade as missões que lhes foram designadas”. O belo lema deriva da descrição que o historiador grego Heródoto (484 a.C. – 425 a.C.) fez do Angarium, o incrível sistema de mensageiros que existia na antiga Pérsia no século cinco antes de Cristo e que garantia o fluxo de informações naquela região. Se tanto na Pérsia quanto nos Estados Unidos nem a chuva nem a neve impossibilitam o trabalho dos carteiros, aqui no Brasil tampouco os santinhos eleitorais os impedirão de cumprir suas missões. Façamos votos.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de agosto de 2016)

Nenhum comentário: