Quem vê cara não vê coração,
reza o surrado ditado. E ditados, quanto mais surrados, parece que mais revigorados
se põem, repletos de sabedoria e significância para as pequenezas e também para
as grandezas de nossas vidas cotidianas. Eu, mundano cronista que tem como
pretensão secreta (agora revelada devido aos anseios irrefreáveis da vaidade)
fundar ditados novos e assim conquistar meu lugar na posteridade entre os
grandes ditadores, quer dizer, entre os grandes inventores de ditados, ponho-me
aqui a criar e ofertar mais um ao julgamento dos leitores: quem vê sorriso não
vê intenção.
Hein? Não entendeu direito, madama?
Ok, explico-me, afinal, é compreensível o mundano cronista retornar de férias ligeiramente
desconectado da sutil teia de compreensão mútua que já havia estabelecido com
sua legião de leitores, acostumados a descortinar as significâncias residentes
nas entrelinhas de sua autoria. Assim, explico-me. “Quem vê sorriso não vê
intenção”. As aspas surgem aqui já na intenção de consolidar o dístico como voz
corrente, apesar de ser de minha autoria, mas “tudo é questão de marketing e
estratégia” e eis que acabo de criar outro (estou prolífico hoje, não perdi de
todo a mão e nem o mundanismo).
Mas o sorriso e a intenção.
Digo-o assim porque a senhora minha esposa (zeladora de minha imagem) costuma sugerir
que eu abra a boca e mostre os dentes sempre que poso para alguma fotografia.
Diz-me ela isso porque tenho a mania de sorrir de boca fechada. Meu sorriso é
de dentes para dentro porque não consigo manter durante muito tempo a boca
aberta a exibir os dentões da frente, pois que sinto-me como se fosse um coelho
farejando cenoura. Sinto-me (e pareço) artificial com os dentes à mostra no
sorriso de fotos posadas, portanto, sorrio de dente pra dentro, espicho para os
lados os cantos da boca, forçando o surgimento de pequenas rugas nos cantos dos
olhos e projeto para a frente o grosso lábio inferior a formar um biquinho. Estranho,
sim, mas menos estranho do que meus sorrisos dentuços.
Sorrio assim, desajeitado mas
verdadeiro, porque estou feliz e meus olhos sorriem em sintonia com minha alma.
Afinal, quem vê meu sorriso pode não estar vendo minha intenção. Daí a criação
do novo dito, a servir de legenda implícita para essa espécie de sorriso introvertido
que porto, e sei que não sou o único. A verdade, madama, é que o valor do
sorriso reside na luz com que ele envolve seu dono, sem importar se sorri com
dente pra fora ou dente pra dentro. “O valor do sorriso está na sua luz”. Ahá, eis
o ditado! Sorrio e registro!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 19 de julho de 2016)
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