Compartilho com grande parte da
humanidade essa mania – que poderia ser esquisita, mas não o é devido à
incidência – de passar a vida escutando infinitas vezes aquelas músicas de que
mais gosto. Não me canso de ouvir certas canções dos Beatles, dos Rolling
Stones e de outros tão cotados quanto eles no rol das minhas preferências
musicais e levo os CDs para o carro a fim de que essas já decoradas e batidas
melodias me acompanhem em viagens, ou aumento o som do rádio quando deparo com
uma delas ofertada pela generosidade do programador musical da emissora, ou
levanto da cama pela manhã deliciosamente assombrado por outra delas e vou
fazê-la tocar de imediato no aparelho de som da sala. Nisso, assemelho-me ao geral
das gentes e sinto-me humano.
Os estranhamentos aparecem
quando percebo que estou a exercitar o mesmo pendor do vício da repetição
exaustiva em outra área das artes: a literatura. Cada vez mais, gosto de
revisitar periodicamente textos que considero saborosos, ou geniais, ou
pungentes, ou líricos, ou marcantes, ou apenas divertidos e deliciosos. Na
conta desses últimos (os divertidos e deliciosos), enquadro já faz tempo uma
crônica de Rubem Braga (1913 – 1990), escrita em meados da década de 1950,
intitulada “Meu ideal seria escrever”. Nesse texto, em que o autor esbanja seus
sobrenaturais poderes de criação poética e abordagem lírica do mundo, ele
confessa ao leitor o desejo íntimo de um dia conseguir escrever uma história
que fosse muito engraçada e levasse alegria aos corações das pessoas que a
lessem, iluminando assim, ao longo dos fugazes instantes da leitura, o mundo
das gentes ao menos um pouquinho.
“Meu ideal seria escrever uma
história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta
quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar
e dissesse – ‘ai meu Deus, que história mais engraçada!’”. Leio e releio essa
pérola de texto há anos e sempre renovo meu prazer de saborear as linhas do
mestre dos cronistas brasileiros. Mas esses dias, no sofá da sala de casa, fui tomado
por um incontrolável acesso de riso ao ler uma crônica de Fernando Sabino (1923-
2004), intitulada “As coisinhas do poeta”. Ri à larga com as desventuras do
ébrio personagem no velório de um primo (felizmente, me encontrava na discrição
da intimidade de meu lar e não em público) e imaginei que aquela, sim, poderia
ter sido a tal da “crônica muito engraçada” que o Braga gostaria de ter
escrito. Sabino o fez, na década de 1960. E eu ganho mais um texto para
alimentar a sequência desse meu vício.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 20 de julho de 2016)
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