“Amor,
me ame mesmo. Você sabe que eu amo você. Eu sempre serei sincero, então, por
favor, me ame mesmo”. Essa é uma. Outra é assim: “”Enquanto eu escrevo esta
carta, envio meu amor para você. Lembre-se que eu sempre estarei apaixonado por
você”. Tem ainda uma assim: “Vamos lá, vamos lá, por favor, agrade-me como eu
agrado a você”. Em tradução livre por conta deste cronista mundano, são assim,
em essência, as letras dos três primeiros sucessos que os Beatles compuseram e
lançaram nos anos de 1962 e 1963 (por ordem de citação: “Love me do”, “P.S. I
love you” e “Please, please me”), lançando as bases para o surgimento da mais
importante banda de rock de todos os tempos.
Olhando
em retrospecto, é interessante detectar a superficialidade das letras das
primeiras canções criadas pela dupla Lennon/McCartney, que integram as faixas
dos dois primeiros álbuns da banda (“Please, please me” e “With the Beatles”,
ambos de 1963), em contraposição com a complexidade que eles logo alcançaram
poucos anos depois, resultando em dezenas de pérolas como “Something” (esta de
George Harrison), “Penny Lane”, “I am the Walrus”, “A day in the life” “The
fool on the hill” e tantas outras. O que se fica pensando é: onde está o pulo
do gato? O que aconteceu para eles se transformarem de repente em bons
compositores? Qual foi a mágica? Às vezes, surgem algumas pistas, e o que vou
relatar a seguir pode ser uma delas.
Ainda
nos primórdios da carreira, no início de 1963, após lançarem como singles as
três canções singelas que citei na abertura, os Beatles criaram “From me to
you”, composta pela dupla Paul McCartney/John Lennon. A composição não avança
muito além do que vinham fazendo até então, porém, dessa vez, havia uma
história sendo contada, um enredo com começo, meio e fim, e John e Paul ficaram
orgulhosos dela, considerando-a um avanço (o que de fato era, em relação a eles
próprios). No entanto, a recepção da imprensa e da crítica não foi tão calorosa
assim e um jornal londrino chegou a classificar a música como “abaixo da
média”. Isso gerou frustração e raiva na banda, porém, a partir dali, os
Beatles começaram a melhorar cada vez mais. O que houve?
Anos
depois, em entrevistas, John Lennon, referindo-se ao fato, revelou que, a
partir daquilo, ele se deu conta, pela primeira vez, “de que você tem de
melhorar sempre”. E foi o que fizeram, transformando em mantra característico
da banda a busca incessante pela excelência. A mágica foi essa: tomada de
consciência interior e opção pelo esforço árduo. O sucesso não chove no colo de
ninguém.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de julho de 2016)
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