segunda-feira, 13 de junho de 2016

Viver e morrer em Uvanova

Uvanova, como já disse aqui algumas vezes - mas sempre repito porque não é possível mensurar o alcance da fama já atingida pelas crônicas referentes ao povoado -, é uma pequena cidade de colonização italiana encravada na Serra Gaúcha às margens do Rio das Antas, fazendo divisa, ao sul, com Vila Faconda; ao norte, com Tapariu; ao oeste com Cotiporã e a leste com Nova Brócola. Visitar a cidade resulta em uma experiência semelhante a pagar passagem de primeira em uma cápsula do tempo e ser transportado para uma época e uma região em que antigos valores humanos ainda são cultivados e regem as relações das pessoas no cotidiano. É assim que me sinto sempre que respiro os ares de Uvanova, de quando em vez.
Em minhas observações uvanovenses, tenho detectado, por exemplo, que o ato de morrer em Uvanova reveste-se na condição de acontecimento social da mais alta importância. Morrer é algo que, ali, não passa batido jamais e não se morre anonimamente, de jeito nenhum. Ao longo de sua vida, o cidadão uvanovense até pode correr o risco de, por alguma razão ou outra, ser ignorado por parte de seus concidadãos, ou por não professar a mesma fé que a maioria, ou por não gostar de dançar nos bailes, ou por não saber falar o dialeto local. Mas, no dia em que ele se botar a morrer, jamais será ignorado pelos demais em sua condição de defunto. Assim são as coisas em Uvanova.
Isso assim se dá por uma simples razão: porque todos se conhecem em Uvanova. Ou, ao menos, conhecem alguém que conheça intimamente o falecido em questão, sofrendo também com a sua perda, já que os uvanovenses cultivam o dom (esquecido pelos povos das cidades grandes) de serem solidários com a dor alheia. Todos os que morrem em Uvanova são parentes de alguém, ou vizinhos, ou amigos. Isso ou, no mínimo, são parentes de vizinhos, ou amigos de parentes ou vizinhos de amigos. Não tem como não haver relação com o morto e sempre haverá uma forma de estabelecer com ele alguma espécie de elo. Em Uvanova, não se morre só. Pode-se viver só, mas, ao menos, ao morrer, o caixão não jazerá solitário ao longo do velório.

Alguns mantêm atualizadas as listas de convidados para velórios vindouros (os seus próprios ou os de entes queridos). E ai de quem ousar ausentar-se em estando vivo e sem oferecer justificativa plausível. Essa é apenas uma das várias facetas pelas quais costuma se manifestar a solidariedade humana que ainda respira nos corações dos uvanovenses. Há outras, que vou descortinando por meio da observação. Pena que eu sempre tenha de fazer a viagem de volta...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de junho de 2016)

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