sexta-feira, 3 de junho de 2016

Fórmula para não desnortear

Foi meu pai quem me ensinou a situar os pontos cardeais. Certo dia, ainda manhã cedo, como eu andasse a encher-lhe os tubos fazendo perguntas (dizem as lendas familiares que eu meio que já nasci fazendo perguntas e, crendo nelas, mais tarde decidi transformar o traço de caráter em instrumento crucial de profissão ao mergulhar na carreira jornalística, por meio da qual consigo ganhar a vida fazendo perguntas), levou-me para fora de casa, na varanda, e me posicionou voltado para o tronco de uma enorme timbaúva que dominava todo o pátio. “Estende os braços”, ordenou. Estendi e, na posição de espantalho preparado para afugentar uma dúvida, botei-me a aprender.
Aquela posição fazia com que meu braço esquerdo apontasse diretamente para o sol que vinha há poucas horas fazendo mais uma de suas modorrentas caminhadas pelo céu, mastigando calmamente mais um dia da história do mundo. “Teu braço esquerdo aponta para o sol nascente. Sempre que posicionares teu braço esquerdo para o sol nascente, lá será o leste”, disse meu pai. Eu ouvi e gravei. “Teu braço direito, portanto, aponta para o lugar onde vai descer o sol no fim do dia. Lá é o oeste”, continuou ele. Escutei e gravei. “O sol nasce no leste e morre no oeste”, sublinhou, definindo o final da primeira etapa da lição.
“Fácil”, pensei. “Tudo morre no oeste, especialmente índios e mocinhos, nos filmes e gibis de Velho Oeste”. Pronto. Fiz relação com meu mundo e gravei a lição. “Agora”, continuou, “posicionado assim, você está olhando para o sul. Leste à esquerda, oeste à direita, sul à frente. Sempre. De noite voltaremos aqui e você vai ver no céu, nessa posição, a constelação conhecida como Cruzeiro do Sul. Quando for noite com céu claro e você quiser saber os pontos cardeais, basta ficar de frente para a Cruzeiro do Sul e saberá as localizações”. Escutei e gravei. “E, por último, nas suas costas, o norte”. Escutei, gravei e baixei os braços. Estava aprendida a lição.

Sempre que desejo localizar os pontos cardeais, me transporto para o pátio da casa da infância, abro os braços mentalmente defronte à timbaúva, o esquerdo apontando para o nascente, e pimba: me transformo em bússola humana a detectar norte, sul, leste e oeste. Nunca falha. Pelo menos nesse aspecto cardeal posso dizer que fui bem orientado na vida, o que me ajuda a não me perder nem em Uvanova, nem em Stratford-Upon-Avon. Tá, mas e quando está nublado e não se enxerga nem sol de dia e nem constelação à noite? Ah, também aprendi a ser prevenido e desconfiar de minha pressuposta autossuficiência. Carrego sempre uma bússola no bolso.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de junho de 2016)

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