Encontrei o mestre do boxe
internacional Muhammad Ali uma vez na vida, apenas. Foi em maio do ano passado,
em Londres, e nosso encontro não teve nada de planejado, foi fruto do acaso e
da surpresa. Fiquei eu mais surpreso do que ele, naturalmente, pois que não
estou habituado a deparar com um Muhammad Ali a cada vez que vou a Londres
(apesar de que a estatística está a meu favor, uma vez que encontrei Muhammad
Ali em 100% das vezes em que visitei a capital inglesa: uma só!) e ele estava
acostumadíssimo a deparar com Zés-Ninguéns que ficavam estupefatos em sua
presença. Zé-Ninguém de carteirinha que sou, pus-me plenamente estupefato
diante dele.
Nosso encontro foi breve e
pautado pelo silêncio. Ele não disse nada, tampouco eu lhe dirigi a palavra.
Apenas, pelo canto da boca, sussurrei à minha esposa, que portava a câmera
fotográfica, e pedi que registrasse aquele encontro, o que ela logo fez. Antes
disso, olhamo-nos (Ali e eu) nos olhos. Fiquei, sim, face a face com o rei do
boxe internacional, três vezes campeão dos pesos-pesados, um matador, um ícone
de seu tempo. Como que movido por algum instinto indecifrável, logo me pus em
guarda, em posição de ataque, meus dois punhos fechados apontando para ele que,
com suas luvas, parecia preparado para levantar a guarda e desferir um murro
definidor no queixo de qualquer oponente que a ele se apresentasse, inclusive
eu, Marcos-Ninguém.
Ficamos assim por alguns
segundos até que a esposa batesse a foto para registrar o encontro para a
posteridade e segui adiante pelas galerias do Museu da Madame Tussaud, pronto
para outros surpreendentes encontros com bonecos de cera a personificar os
ídolos de todos os tempos. Quis bater a foto porque Muhammad Ali personificou
para mim, desde sempre, a abnegação de um homem em constante luta. Ele lutou
não só contra seus adversários de ringue, mas protagonizou uma vida inteira de
lutas ao longo de seus 74 anos encerrados na última sexta-feira: contra o
racismo, contra a discriminação, a favor da igualdade social e dos direitos
civis, contra a guerra, contra o Mal de Parkinson. Seu boneco de cera no museu
londrino conseguia perpassar a intensidade de sua alma lutadora, de alguma
forma, e fui tocado por ela.
Não imaginava ficar sabendo de
sua morte pouco mais de um ano após aquele encontro bizarro. Mas o legado que
Muhammad Ali deixa é a necessidade de sempre sabermos extrair de dentro de nós
mesmos as forças para combater nossas lutas pessoais e cotidianas. A minha,
agora, é contra a gripe. Haverei de nocauteá-la como todo o bom Zé-ninguém sabe
fazê-lo. Vamos ao próximo assalto.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de junho de 2016)
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