segunda-feira, 6 de junho de 2016

A voz de Ali no ringue da vida

Encontrei o mestre do boxe internacional Muhammad Ali uma vez na vida, apenas. Foi em maio do ano passado, em Londres, e nosso encontro não teve nada de planejado, foi fruto do acaso e da surpresa. Fiquei eu mais surpreso do que ele, naturalmente, pois que não estou habituado a deparar com um Muhammad Ali a cada vez que vou a Londres (apesar de que a estatística está a meu favor, uma vez que encontrei Muhammad Ali em 100% das vezes em que visitei a capital inglesa: uma só!) e ele estava acostumadíssimo a deparar com Zés-Ninguéns que ficavam estupefatos em sua presença. Zé-Ninguém de carteirinha que sou, pus-me plenamente estupefato diante dele.
Nosso encontro foi breve e pautado pelo silêncio. Ele não disse nada, tampouco eu lhe dirigi a palavra. Apenas, pelo canto da boca, sussurrei à minha esposa, que portava a câmera fotográfica, e pedi que registrasse aquele encontro, o que ela logo fez. Antes disso, olhamo-nos (Ali e eu) nos olhos. Fiquei, sim, face a face com o rei do boxe internacional, três vezes campeão dos pesos-pesados, um matador, um ícone de seu tempo. Como que movido por algum instinto indecifrável, logo me pus em guarda, em posição de ataque, meus dois punhos fechados apontando para ele que, com suas luvas, parecia preparado para levantar a guarda e desferir um murro definidor no queixo de qualquer oponente que a ele se apresentasse, inclusive eu, Marcos-Ninguém.
Ficamos assim por alguns segundos até que a esposa batesse a foto para registrar o encontro para a posteridade e segui adiante pelas galerias do Museu da Madame Tussaud, pronto para outros surpreendentes encontros com bonecos de cera a personificar os ídolos de todos os tempos. Quis bater a foto porque Muhammad Ali personificou para mim, desde sempre, a abnegação de um homem em constante luta. Ele lutou não só contra seus adversários de ringue, mas protagonizou uma vida inteira de lutas ao longo de seus 74 anos encerrados na última sexta-feira: contra o racismo, contra a discriminação, a favor da igualdade social e dos direitos civis, contra a guerra, contra o Mal de Parkinson. Seu boneco de cera no museu londrino conseguia perpassar a intensidade de sua alma lutadora, de alguma forma, e fui tocado por ela.

Não imaginava ficar sabendo de sua morte pouco mais de um ano após aquele encontro bizarro. Mas o legado que Muhammad Ali deixa é a necessidade de sempre sabermos extrair de dentro de nós mesmos as forças para combater nossas lutas pessoais e cotidianas. A minha, agora, é contra a gripe. Haverei de nocauteá-la como todo o bom Zé-ninguém sabe fazê-lo. Vamos ao próximo assalto.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de junho de 2016)

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