Groenlândia. Já foste para lá,
enceroulado leitor, encapotada leitora? Não? Se não me engano, é por lá que se
situa a Lapônia, a terra do Papai Noel, onde ele estaciona o trenó e deixa
descansarem suas renas. Não, não, a Lapônia fica no Polo Norte, isso mesmo, bem
lembrado, entoucada leitora. A propósito, conheces o Polo Norte? Também não?
Pois é, nem eu. E o Polo Sul? Tampouco? Não, eu também não. Islândia, quem
sabe? Pequeninha, a Islândia. Conhece? Não. Eu também não.
Então nem o encachecolado leitor
e nem a enluvada leitora conhecem essas regiões geladérrimas do planeta, assim
como eu, que também jamais palmilhei com meus passos essas terras de gelo onde
crescem os iglus, onde saltitam as focas, onde esquimós tomam banho nus a
temperaturas abaixo de zero, onde os ursos brancos tapam os focinhos a fim de
espreitar as morsas, onde cerveja morna é um mito mais inconcebível do que o já
citado Papai Noel, onde pinguim traja casaca, onde as palavras se congelam no
ar logo após serem proferidas, onde vendedor de freezer morre de fome, onde
paleta mexicana é usada como fósforo. No entanto, conhecemos a Serra Gaúcha e,
no quesito frio, nada ficamos a dever aos pinguins e afins acima citados, não é
mesmo?
Ontem de manhã acordei me
sentindo um legítimo pinguim. Um pinguim enclausurado dentro de um iglu. Um
pinguim enclausurado em um iglu bebendo uma cerveja estupidamente gelada, com
as mãos dentro de um freezer e os pés calçando paletas mexicanas. Era assim que
eu me sentia ontem, madama, tamanho o frio. Sim, o pinguim da história era eu.
Os dedos não se mexiam, enregelados, parecendo extremidades pontiagudas de asas
(asas de pinguim). Meu andar, a desenvoltura cerceada pela baixa temperatura,
assemelhava-se ao tosco e claudicante mover-se dos pinguins, que tão bem
conhecemos por assistir aos documentários da tevê a cabo. Minhas ideias
aprisionavam-se em um compacto cubo de gelo inderretível, a obstruir o fluxo do
pensamento pelo cérebro.
Resultado disso tudo? Ora, encachecolada
leitora, emboinado leitor... O resultado dessa configuração climática toda é
essa crônica aqui, fria, difícil de ler e de escrever, reveladora de um
congelamento inevitável das ideias, fruto das baixas temperaturas que regam
essas semanas finais de outono. Pois é, e dizem que o inverno ainda está por
vir. Vou procurar minha sunga, a esteira, desenterrar o protetor solar e me
mando para a Islândia, onde já aluguei um iglu. Depois divulgo o endereço.
Receberei a todos de asas abertas e um chopinho gelado.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de maio de 2016)
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