Discorríamos, então, sobre a
desnecessidade de ir procurar ao longe os talentos que existem aqui do nosso
lado, atuando em nossos quintais, ao alcance de nossas mãos e ao ouvido de
nossos elogios, caso sejamos suficientemente generosos para elogiá-los e minimamente
habilitados a detectá-los. Nós, habitantes da Serra Gaúcha, temos o privilégio
de contar, entre os cidadãos nascidos ou radicados por essas bandas, com um
número significativo de talentos de envergadura universal atuando entre nós,
sem que precisemos sair à procura deles por plagas distantes. Isso, em todas as
áreas da atividade humana.
Atenho-me a lançar luz, a partir
desse enfoque, aos nossos escritores, já que a literatura é área na qual
transito com certa desenvoltura por ganhar a vida enfileirando palavras de sol
a sol, mesmo quando nublado. Nossa região é pródiga, por exemplo, no permitir e
estimular o florescimento de grandes, geniais e talentosos criadores de
metáforas literárias. E isso não é pouco, em se tratando de buscar na
literatura a expressão do gênio, o sabor do novo, a simplicidade do Belo que
desvela o talento único do criador. Porque tecer novas, boas e surpreendentes
metáforas é uma arte delicada e sutil, difícil de ser esgrimida e que elege
poucos representantes qualificados. Mas nós temos os nossos representantes e se
faz necessário manter viva a memória deles.
Refiro-me em especial a dois
escritores serranos já falecidos, cujo poder de criação poética e metafórica os
assenta junto aos grandes da literatura universal: Ítalo Balen (1917 – 1981) e
Flávio Luís Ferrarini (1961 - 2015). O escritor argentino Jorge Luis Borges
(1899 – 1986) cultivava, entre os temas de sua predileção, o estudo profundo
das metáforas, a ponto de se perguntar: “por que diabos os poetas, pelo mundo
afora, e pelos tempos afora, haveriam de usar as mesmas metáforas surradas
quando há tantas combinações possíveis?”. Ora, elementar, meu caro Borges,
respondo eu: porque esses poetas de mundo afora não foram tocados pelo mesmo
talento que movia as mãos criativas de um Balen e de um Ferrarini. Vai uma
degustação aí? Então:
“Antônia Muco tece cortinas com
fios de choro... as longas noites não umedecem dedos para virar as páginas
mortas de sono” (Ferrarini). “Não, meu amigo, meu peito é basalto/. Apenas, de
quando em vez,/ brota da pedra, milagrosamente,/ um fio d´água, que não é
néctar,/ mas aplaca, porque é puro,/ a angústia dos que são simples/ e têm
sede” (Balen). Ah, que bom poder saciar essa sede tão pertinho de casa...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de maio de 2016)
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