terça-feira, 31 de maio de 2016

Proserpina e a dança do clima

Não somos romanos. Além disso, vivemos no século 21. Agora, caso fôssemos romanos e vivêssemos na Era Antiga, teríamos hoje mais um bom motivo para ficarmos em casa sem fazer nada, porque seria feriado (os romanos adoravam feriados e, ao menos nisso, nos assemelhamos a eles). Poderíamos ir ao Coliseu assistir aos leões devorar alguns cristãos e depois apostar nas corridas de bigas. Poderíamos aproveitar para remendar aquela túnica puída e depois passear pela Via Appia e debater com os patrícios o andamento das últimas conspirações no Senado (que é prática política muito antiga e também nisso nos assemelhamos a eles). Com sorte, seríamos convidados para alguma orgia regada a vinho e mel, ao som de harpas.
Mas não somos romanos e hoje, em plena Era Moderna, o dia 31 de maio passa batido e sem o significado sagrado de séculos atrás, quando era dedicado ao culto da deusa Proserpina, conhecida como “A Rainha do Mundo Subterrâneo”. Proserpina era uma divindade bastante popular entre os antigos romanos, considerada uma das mais belas filhas de Júpiter, o chefão de todos os deuses. Tão bela que encantou os olhos de Plutão, o deus que governava os subterrâneos da Terra, o Submundo, a ponto de ele decidir raptar a moça e levá-la a viver consigo em seus domínios obscuros. Isso deixou Ceres, a mãe de Proserpina, muitíssimo indignada, a ponto de destruir as colheitas e arrasar a terra em um acesso de fúria, exigindo a filha de volta.
Mas os deuses são bons em firmar tratados (muitas vezes para serem descumpridos logo mais adiante, hábito com o qual os seres humanos também se assemelham) e Plutão propôs um acordo com a sogra Ceres nos seguintes termos: a bela Proserpina passaria metade do ano vivendo com ele no Submundo (época que correspondia ao inverno, quando Ceres, entristecida, descuidava da Natureza) e a outra metade na superfície, em companhia da mãe (período correspondente ao verão, em que Ceres, feliz, fazia a Natureza refulgir outra vez). Assim se fez e as coisas meio que se acalmaram. A história talvez seja mais conhecida entre nós em sua forma grega, em que Proserpina corresponde a Perséfone, esposa de Hades (o Plutão romano), filha de Zeus (Júpiter) e Deméter (Ceres).

Às vezes temos de recorrer à mitologia antiga para compreender o que se passa nos dias de hoje. Se inverno significa Proserpina vivendo com o marido Plutão lá no subterrâneo e verão indica a deusa a passear pela superfície com a mãe, está explicada a maluquice atual do clima. Proserpina anda dando escapadelas sem que Plutão perceba. Só podia dar nisso...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 31 de maio de 2016)

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