Todo cronista que se preze está
sujeito à ação de um fenômeno que poderia ser classificado como o “eterno
retorno temático”. Ou seja, trocando em miúdos, trata-se da recorrência cíclica
e sazonal, por parte do cronista, a assuntos anteriormente já abordados, uma
vez que, convenhamos, né, estimado leitor e calorosa leitora, haja imaginação
para conseguir abordar um tema novo a cada dia, apesar de, no Brasil, não ser
difícil encontrar inspiração que alimente a surrealidade cronical a partir da
observação da realidade surreal que nos cerca, é verdade, é verdade, reconheço
e admito, basta sintonizar os noticiosos, mas, enfim, deixemos disto e vamos em
frente.
Sendo eu um cronista da classe
mundana (eu estava a ponto de utilizar o adjetivo “categoria”, mas, talvez, seja
justamente esse tipo de atributo que falte aos cronistas dessa natureza, então,
deixei por “classe” mesmo, que causa menos impressão e inibe celeumas), estou
plenamente afeito ao efeito (trocadilho, viram?) dos assuntos que voltam a
visitar as linhas que tão mal traço e não tenho como evitar, sob pena de, em o
fazendo, ficar sem crônica. E por mais mundano que seja o cronista, ele não
pode se dar ao luxo de ficar sem crônica, pois deixaria de ser cronista e teria
de se dedicar ao mundanismo por si só, o que, convenhamos de novo, não tem o
menor sentido sem que sobre ele se cronique. Croniquemos, então, sobre assunto
já abordado, e o de hoje, tolerante leitora, paciencioso leitor, é o
estrogonofe. De novo.
Mas sabe o que é? É que não
existe estrogonofe igual ao estrogonofe de minha mãe. O estrogonofe dela é
único, como, aliás, suponho ser também único o estrogonofe da mãe de qualquer
cidadão que possua progenitora habilitada a cozinhar o delicioso manjar. Venho
aqui recorrer ao tema para perenizar meu espanto frente ao fato de ser
impossível reproduzir às panelas o sabor, a textura, a consistência e o perfume
do estrogonofe de minha mãe. Tenho em casa a receita que ela utiliza, copiada
para mim pelo próprio punho dela, mas não adianta: mesmo seguindo a risca cada
passo, o meu jamais fica igual ao dela.
E por que isso, caro leitor,
queridíssima leitora? Onde reside o mistério? Ora, simples. O mistério reside
no fato de que há segredos que não podem ser desvelados por meio de uma
receita. Há atos, fatos e jeitos de ser que decorrem da unicidade de cada um,
impossíveis de serem imitados. Daí que um ser humano não pode ser reduzido a
uma receita, e eis aí a crônica. Recorrente, sim, mas, ao menos, fugindo à
receita.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de maio de 2016)
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