Dentro da infinita (e em
constante processo de ampliação) coleção de minhas inabilidades domésticas
(este é apenas um grupo, pois há também o grupo das inabilidades sociais, o das
inabilidades literárias, o das inabilidades manuais etc), descobrimos (a
senhora minha esposa e eu) que também figura (e com destaque) minha
incapacidade para harmonizar cores no momento de me vestir, pela manhã, a fim
de me apresentar minimamente aceitável ao convívio social. Como é, madama? Esta
(crônica, suponho, a senhora quer dizer) está daquelas difíceis de acompanhar,
devido à incessante interpolação de apostos e parênteses e assim não dá, que eu
seja mais direto e objetivo, é isso que a senhora está querendo me dizer
balançando assim a cabeça e chacoalhando ameaçadoramente esse longo e fino dedo
em minha direção? Sim, senhora, deixa comigo e, por favor, repouse essa
sombrinha lá longe, perto da porta, sim? Certo. Vamos lá, então.
Antes, permita-me defender minha
tática dos parênteses que, às vezes, são necessários para impedir cacofonias e
construções estranhas de sentenças, como ali acima em que, por pouco, não fosse
a intercalação gráfica inserida estrategicamente bem no meio, a frase começaria
com a esdrúxula combinação “esta está”, viste? Espera, volta, deixa aquela
sombrinha quieta lá! Eu vou ao foco agora mesmo, prometo, sente-se. Então, como
eu dizia, a senhora minha esposa, essa personagem sempre tão atenta e atuante
em minha vida mundanamente cronical, chamou-me, dia desses, a atenção, parada
defronte ao roupeiro, ao fato de eu ser desprovido da mínima capacitação
estético-vestuária no que tange à escolha das roupas para vestir no dia-a-dia.
Tecia ela essa chocante (para
mim) avaliação enquanto observava, de alto a baixo, as combinações que eu havia
feito entre camiseta, camisa, blusão, jaqueta, calça, meias e sapato (a cueca
não entrou na equação, e, nisso, ela deixou furo... a esposa, não a cueca) afirmando
que estava tudo errado, porque, onde já se viu, uma camisa verde sob um blusão
vermelho, ambas as peças sobrepondo uma camiseta roxa da qual se podia
vislumbrar parte do colarinho sob o sanduíche roupal, isso, entre outras
coisas, porque não vou reproduzir o que ela disse (rindo à larga) sobre as
meias e os sapatos. Desvestiu-me ela e, em minutos, colocou-me melhor
apresentado ao mundo, para sorte minha (e da imagem dela, por tabela). A vida é
assim. A cada estação, surgem (ou ressurgem) algumas de nossas inabilidades.
Isso que a madama nem imagina a cena que faço para descascar pinhões...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de maio de 2016)
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