De idade, eu tinha apenas 16
anos nas costas. De ousadia (ou de falta de noção), uns dez mil séculos
espalhados por todo o ser: da cabeça aos pés, do cérebro aos dedos das mãos. E
foi com esses últimos (o cérebro e os dedos das mãos) que me instrumentalizei
para cometer a dita ousadia: escrever uma carta ao meu ídolo. A ousadia em si
não residiu no ato de datilografar a carta na máquina de escrever portátil
marca Facit que eu tinha em casa, naqueles idos dos inícios dos anos 1980
(época, jovem leitora, mancebo leitor, desprovida de internet e de paletas
mexicanas). A ousadia mesmo foi o ato de selar o envelope e despachar a missiva
pelo Correio, rumo à residência do destinatário.
Foi! Agora era tarde demais para
voltar atrás. Mas não havia muito com o que se preocupar, pois a expectativa
era de que aquilo não desse em nada mesmo. Só que deu. O ídolo, duas semanas
depois, respondeu. E ainda por cima se desculpando pela “demora em responder à
minha missiva”. Eu não esperava por aquilo. Lembro que era no meio de uma tarde
de final de dezembro de 1982 (fica fácil dizer que lembro porque ainda guardo a
carta devidamente datada e, mais importante ainda, assinada), já estava em gozo
das longas férias escolares e lia um livro estirado sobre o sofá da sala de
estar, na casa da família, na Rua dos Viajantes. Foi quando o carteiro
arremessou para dentro da sala, por meio da persiana que encobria a janela
semiaberta, o maço de correspondência, provocando-me um susto.
Susto esse superado pela
surpresa maior de ver, em meio à correspondência geral, a carta endereçada a
mim e remetida pelo dito ídolo. Com o coração pulando à altura da boca, abri e
li. Gentil, simpático, bem humorado, o escritor Luis Fernando Verissimo
respondia ponto a ponto aos quesitos de minha carta. E encerrava a missiva
dizendo saber, sim, a fórmula mágica para ter sucesso na literatura, mas que
não a revelaria, por envolver “cogumelos do Tibet, pestanas de núbias virgens e
filtros fumegantes”, além de “muita sorte”.
Como sempre soube que não poderia
contar com a sorte; como nunca fui ao Tibet catar cogumelos e como jamais ousei
tentar arrancar as pestanas das núbias, pois que pelas pestanas é difícil
descobrir se são virgens, desisti de querer aplicar a fórmula. Ah, sim, havia
os filtros fumegantes. Essa era a parte fácil, mas joguei-os fora, em um dia de
faxina. Na verdade, os elementos que Verissimo manteve secretos eu só fui
descobrir mais tarde. Chamam-se esforço e talento, ingredientes que ele tem de
sobra. E eu aqui, há anos tentando identificar núbias virgens...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 20 de maio de 2016)
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