quinta-feira, 12 de maio de 2016

A batalha do cartunista

Uma notícia triste divulgada há poucos dias movimentou o cenário nacional dos quadrinhos, causando preocupação. O jornal “Folha de São Paulo” divulgou, no dia 8 de maio (domingo passado), que o cartunista Angeli não participará mais da sessão diária de tiras em quadrinhos do periódico. Isso põe um ponto final a uma saga de 33 anos contínuos, por parte do quadrinista, de publicação de cartuns diariamente em um dos mais significativos órgãos de imprensa do país. Quanto dá isso em volume de produção? Vejamos. Iça-se a máquina calculadora da gaveta e aplica-se a fórmula básica: digamos que cerca de 360 tiras por ano vezes 33... Chega-se a um total mínimo de 11.880 tiras publicadas. É coisa! E deve ser mais.
Angeli, paulistano, 59 anos de idade (nasceu em agosto de 1956), é um dos grandes ícones dos quadrinhos nacionais, tendo participado da geração de artistas que revolucionou e conferiu novo gás a essa arte nas décadas de 1980 e 1990, juntamente com cartunistas como Laerte, Glauco, Luiz Gê, Adão Iturrusgarai e outros. Os nomes desses artistas podem até soar apenas ligeiramente conhecidos ao estimado leitor e à prezada leitora, mas certamente as criações vindas do talento deles lhes são mais familiares. Aos exemplos. Laerte (64 anos) consagrou-se criando “Os Piratas do Tietê” e fez, juntamente com Glauco e Angeli, a série “Los Três Amigos”. Glauco, criador do personagem “Geraldão”, morreu assassinado por um fanático religioso em 2010, aos 53 anos. Luiz Gê foi um dos editores e ativos colaboradores da revista “Circo”, e o gaúcho Adão Iturrusgarai é o criador de personagens como “Aline” e o casal de caubóis homossexuais “Rock & Hudson”.

E Angeli? Ora, Angeli tem na conta a criação de figuras marcantes como “Os Skrotinhos”, “Rê Bordosa”, “Bob Cuspe” e muitos outros. Por que, então, essa súbita freada em sua produção diária para a “Folha”? Simples (só que não): o cartunista sofre de depressão e precisa focar todas as suas forças no tratamento da crise pela qual está passando. E não há como fazer graça quando o mundo interno e externo se apresenta pesado e sem graça. A depressão é uma doença maliciosa, que se infiltra sem avisar, devagarinho, sendo de difícil detecção por quem sofre dela e pelas pessoas ao seu redor. Mas Angeli não se abate. Seguirá participando eventualmente de outros espaços semanais no jornal, afinal, o desafio da tira de papel em branco e o lápis na mão, para um cartunista, ainda são seus melhores instrumentos de batalha frente à vida. Nós, do lado de cá das páginas, ficamos na torcida.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 12 de maio de 2016)

Nenhum comentário: