Súbito, fomos ambos possuídos
pelo desejo. As faíscas resultantes da troca de olhares sintonizados em
intensidade e intenção indicavam que o desfecho da noite seria incontrolável,
irreprimível. Inútil lutar contra o impulso, impossível represar a torrente da
convicção íntima de que, sim, deveríamos nos entregar à satisfação daquela
sanha que nos consumia a ambos por dentro. E a culpa? Haveria culpa depois? Claro,
tínhamos também certeza absoluta de que a culpa tomaria o lugar do desejo assim
que os instintos fossem saciados, mas, mesmo assim, seguimos em frente,
determinados, sôfregos, ávidos, totalmente entregues. Arcaríamos, ela e eu, com
o peso da culpa e com o martírio póstumo do pecado cometido. Mesmo assim, chegaríamos
em casa após o trabalho e produziríamos, em tempo recorde e em conjunto, um
ratatouille para jantar às dez da noite em pleno meio de semana!
O ratatouille é um prato simples
(apesar do nome sofisticado) e rápido de fazer, com efeito saboroso, nutritivo,
sadio e leve. O que consome tempo e energia é o processo de picar e cortar os
ingredientes. Botando-se a fazê-lo sozinho, o cozinheiro de fundo de quintal,
como é o meu caso, pode levar até cerca de meia hora só na fase de preparo de
todos os legumes, dependendo de sua destreza no manuseio da faca e dos tomates,
das abobrinhas, das cebolas, dos pimentões, das berinjelas. Existem formatos a
serem obedecidos, espessuras de cortes, limpezas específicas, afinal, boa parte
do sucesso de um prato, mesmo que preparado para o cotidiano do lar, reside na
sua aparência ao ir à mesa, e o ratatouille também tem disso.
Porém, trabalhando em equipe e
de maneira organizada, obedecendo a um rígido planejamento anterior elaborado
com cuidado (o que foi feito dentro do carro ao longo do trajeto entre o trabalho
e o lar), sabedores de que todos os ingredientes estavam, cúmplices que eram,
aguardando dentro da geladeira, é possível reduzir o tempo de preparo do prato
a um terço do necessário. Foi o que fizemos. Enquanto um cortava as abobrinhas,
outro picava os tomates. Um fatiava a berinjela e o outro reduzia os pimentões
a tiras. Um fritava a cebola e o outro preparava o caldo de legumes.
Dessa maneira, seguindo o script à risca,
conseguimos sentar à mesa e saciar nosso desejo louco e inexplicável por um
ratatouille em apenas 40 minutos após chegarmos em casa, saindo do zero. Planejamento
e trabalho em equipe ainda são as melhores ferramentas para se atingir um
objetivo (ou desejo) comum, inclusive em se tratando de devorar um ratatouille.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de abril de 2016)
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