Eu não sei bater selfie. Apesar
dos braços compridos, é curta a minha capacidade de sintonizar com as
artimanhas tecnológicas dos aparelhinhos eletrônicos que passaram a surgir no
mundo depois do advento do videocassete (aliás, que fim levaram minhas fitas
VHS?). Estico o braço portando a câmera digital, abro aquele sorriso de boca
fechada que me caracteriza, encosto a cabeça na da esposa e pimba: fotografo o
azul do céu às minhas costas, uma vez que esqueci de clicar o botãozinho que
inverte o foco da objetiva (câmeras digitais possuem objetiva?). Prática nada
objetiva para a obtenção de selfies, mas ao menos já consegui uma boa coleção
de nuvens esdrúxulas e de discos voadores flagrados ao acaso.
Mas também, calma lá,
relativizemos as coisas, afinal, não sou tão anta assim. Meia anta, digamos. Não
é sempre que esqueço de inverter a objetiva (concordando, ao menos para efeitos
destas mal digitadas linhas, que então, sim, as câmeras digitais possuem
objetivas nanotecnologicamente inseridas dentro de suas minúsculas entranhas
chipadas). Há vezes em que parece que tudo vai bem, conseguirei registrar por
conta própria uma foto de mim mesmo ou do casal que formo com a senhora minha
esposa, porque o foco está certo e estamos outra vez sorridentes. Mas não dá
outra. Seguro o aparelho de forma atravancada com os dedões se acavalando uns
aos outros e o que obtenho são selfies de minhas impressões digitais. Ou de
meia testa de um e as bochechas de outro, porque ergo demais a câmera. Ou o
pescoço de ganso de um (o meu) e o de coral de outra (o dela), porque abaixei
demais o aparelho. Sou a única pessoa do mundo que faz selfie do pescoço.
Trata-se da assinatura do artista.
Sempre que navego pelas redes
sociais, ponho-me a invejar profundamente todas aquelas pessoas (cem por cento
delas, em média) que postam selfies de si próprias (esse pleonasmo horroroso
faz parte de minha vingança), a todos os momentos, em todos os lugares. Fazem
selfies com uma destreza natural, como se tivessem nascido com o dom. E eu
aqui, a fotografar o topo da cabeça onde começam a rarear os cabelos, a barba
do queixo, o lóbulo da orelha... Mas eis que vivo resignado. Sempre que desejo
registrar alguma foto de mim mesmo, recorro à velha e ancestral prática de
olhar em volta procurando identificar algum desconhecido que tenha um ar
jovial, a quem possa abordar e pedir, gentil e sorridente, que bata de mim (ou
do casal) uma foto. Sempre dá certo. Afinal, ainda desempenho com certa
desenvoltura a arte analógica de me relacionar com gente.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de março de 2016)
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