O mundo pode ser dividido entre
as pessoas que optam pelo risco de seguir sua própria intuição e aquelas que
preferem o conforto de obedecer à risca aos manuais. A afirmação traduz um
óbvio reducionismo, já que não é tão fácil assim classificar os seres humanos
e, analisando bem, perceberemos que, apesar de termos nossas preferências de
conduta, na verdade transitamos entre esses dois grupos de acordo com a
situação que se apresenta.
Se estamos inseguros diante da
instalação do novo forno de micro-ondas recém-adquirido, procuramos obedecer ao
passo-a-passo impresso nas folhinhas do manual que vem anexo ao produto, especialmente
agora, que os fabricantes finalmente entenderam que precisam tratar a nós,
meros consumidores, como as crianças de seis anos de idade que somos e agregam
ilustrações de (teoricamente) fácil compreensão. Mas se nos julgamos plenos de
experiência na instalação doméstica de aparelhos elétricos, esnobamos o manual
que resta solitário no fundo da caixa do produto e botamos as mãos à obra,
frente à torcida geral da esposa e das crianças que não veem a hora de meter
dentro do novo integrante da cozinha o saco de pipocas.
Dia desses, vi-me encalacrado em
uma encruzilhada entre optar pela intuição ou por obedecer ao manual, frente a
uma panquequeira de formato revolucionário adquirida em um estande instalado
nos pavilhões da Festa da Uva, durante os dias de nossa “festa maior”. Trata-se
de artefato milagroso batizado de “panquequeira invertida antiaderente”, cujo
princípio consiste em depositar o utensílio com a parte côncava para baixo,
sobre a boca do fogão, e untar a parte convexa, que será mergulhada no recipiente
que contém a massa de panqueca previamente preparada. Conforme a demonstração
feita pela vendedora lá nos pavilhões, em questões de poucos minutos é possível
produzir uma pirâmide enorme de panquecas saborosas uma atrás da outra. Basta
fazer como ela fez, ou seguir o manual.
Eu optei por seguir o manual,
mas untei a parte errada da panquequeira, confundindo côncavo com convexo. Tivesse
escutado a intuição, untaria a parte correta, sem dúvida alguma, e teria obtido
a minha Torre de Babel de panquecas. Errei, mas não fiquei na vontade. Catei a
frigideira antiga e produzi panquecas a rodo, pelo método tradicional ao qual
estou habituado pela repetição. Afinal, o mundo também se divide entre os que
desistem frente às pedras no meio do caminho e os que se sentem estimulados a
agir justamente devido à presença delas. Eu sou dos que jamais desistem das
panquecas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de março de 2016)
Nenhum comentário:
Postar um comentário