sexta-feira, 25 de março de 2016

A fórmula da panqueca

O mundo pode ser dividido entre as pessoas que optam pelo risco de seguir sua própria intuição e aquelas que preferem o conforto de obedecer à risca aos manuais. A afirmação traduz um óbvio reducionismo, já que não é tão fácil assim classificar os seres humanos e, analisando bem, perceberemos que, apesar de termos nossas preferências de conduta, na verdade transitamos entre esses dois grupos de acordo com a situação que se apresenta.
Se estamos inseguros diante da instalação do novo forno de micro-ondas recém-adquirido, procuramos obedecer ao passo-a-passo impresso nas folhinhas do manual que vem anexo ao produto, especialmente agora, que os fabricantes finalmente entenderam que precisam tratar a nós, meros consumidores, como as crianças de seis anos de idade que somos e agregam ilustrações de (teoricamente) fácil compreensão. Mas se nos julgamos plenos de experiência na instalação doméstica de aparelhos elétricos, esnobamos o manual que resta solitário no fundo da caixa do produto e botamos as mãos à obra, frente à torcida geral da esposa e das crianças que não veem a hora de meter dentro do novo integrante da cozinha o saco de pipocas.
Dia desses, vi-me encalacrado em uma encruzilhada entre optar pela intuição ou por obedecer ao manual, frente a uma panquequeira de formato revolucionário adquirida em um estande instalado nos pavilhões da Festa da Uva, durante os dias de nossa “festa maior”. Trata-se de artefato milagroso batizado de “panquequeira invertida antiaderente”, cujo princípio consiste em depositar o utensílio com a parte côncava para baixo, sobre a boca do fogão, e untar a parte convexa, que será mergulhada no recipiente que contém a massa de panqueca previamente preparada. Conforme a demonstração feita pela vendedora lá nos pavilhões, em questões de poucos minutos é possível produzir uma pirâmide enorme de panquecas saborosas uma atrás da outra. Basta fazer como ela fez, ou seguir o manual.

Eu optei por seguir o manual, mas untei a parte errada da panquequeira, confundindo côncavo com convexo. Tivesse escutado a intuição, untaria a parte correta, sem dúvida alguma, e teria obtido a minha Torre de Babel de panquecas. Errei, mas não fiquei na vontade. Catei a frigideira antiga e produzi panquecas a rodo, pelo método tradicional ao qual estou habituado pela repetição. Afinal, o mundo também se divide entre os que desistem frente às pedras no meio do caminho e os que se sentem estimulados a agir justamente devido à presença delas. Eu sou dos que jamais desistem das panquecas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de março de 2016)

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