sábado, 6 de fevereiro de 2016

Um abraço no vampiro

Muito se pode aprender assistindo a filmes de vampiro. Eu assisto a filmes de vampiro e aprendo com eles algumas coisas, sempre que, ao final, me ponho a refletir sobre determinados aspectos da narrativa ou sobre as motivações dos personagens.
Dia desses andei assistindo a um filme de vampiro interessante, intitulado “Garota Sombria Caminha Pela Noite” (no original, “A Girl Walks Home Alone at Night”), que fez sucesso em 2014 no Festival Sundance de Cinema Fantástico, aquele evento cinematográfico concebido pelo ator e diretor Clint Eastwood. Rodado em preto e branco e falado em persa, o filme é dirigido pela britânica Ana Lily Amirpour e já ganha contornos de obra cult. A história se passa na fictícia cidade iraniana de Bad City, onde uma bela e jovem vampira veste seu xador preto e sai à noite às ruas atrás de, óbvio, sangue. Tem-se a impressão de que ela procura ser uma vampira boazinha na medida em que isso é possível e viável para alguém na condição de vampiro, ou seja, ela procura estraçalhar vítimas malvadas (como um traficantezinho que toca o terror na vizinhança) e poupar pessoas boazinhas (como um garoto de uns dez anos que anda de skate pelas ruas à noite até ser abordado pela morta-viva e ver confiscado por ela o seu meio de transporte).
Certa madrugada, a vampira cruza em uma calçada com Arash, um jovem pobre e batalhador, repleto de problemas a resolver, o protagonista da trama. Arash acaba de voltar de uma festa à fantasia (à qual fora vestido de Conde Drácula, vejam só), onde andou consumindo substâncias que não deveria ter consumido e agora está doidão paralisado frente a um poste de luz que lhe parece uma lua cheia mutante. A vampira se aproxima e Arash se surpreende por ela ter a mão tão fria (ela é uma vampira, Arash, está geladamente morta há séculos!). Condoído com a situação (a seu ver, uma bela moça sozinha à noite passando frio), Arash envolve a vampira em um longo e caloroso abraço para aquecê-la, desarmando-a e fazendo florescer uma paixão.

O abraço quente do rapaz desconstrói a vampira no filme. Podemos, então, refletir sobre o poder do calor humano como instrumento a favor da transformação daquilo que destrói, daquilo que suga, daquilo que oprime, daquilo que ataca, daquilo que não tolera, daquilo que discrimina, daquilo que humilha e assim por diante. Nem sempre um filme de vampiro é apenas um filme de vampiro.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de fevereiro de 2016)

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