sábado, 13 de fevereiro de 2016

Para não murchar

Eu sabia de antemão que aquela relação teria vida curta. Mesmo assim, efetivei nela a aposta, convicto de que, mesmo efêmera, valeria a pena, pois legaria à memória frutos únicos e inolvidáveis. Nada é eterno, tudo passa, mas tudo o que é bom vale a pena ser vivenciado, mesmo que passageiro, justamente por sabermos que, enquanto tivermos acesa a chama da memória para recordar, a lembrança será o legado mais duradouro que guardaremos conosco a partir das experiências ao longo de nossas também por demais curtas existências. Pensando nisso foi que dei o passo adiante, convicto, e buzinei.
Buzinei para chamar a atenção do vendedor de flores que nas sextas-feiras se posiciona em certa esquina na entrada do bairro em que moro, do qual já sou cliente há algum tempo. Compro flores dele, sempre que dá no jeito (às vezes estou sem dinheiro na carteira, outras vezes o fluxo do trânsito me impede de estacionar nas proximidades, vezoutras a maldita pressa se interpõe no caminho da poesia). Compro rosas. Rosas de todas as cores possíveis e imagináveis (até mesmo as cor-de-rosa, clássicas, elegantes, majestosas perante as demais, às quais dirigem ares superiores mesclados a certa condescendência floral). Semanalmente vou alternando as cores dos buquês de rosas que levo para alegrar o ambiente do apartamento, então decorado com contornos de aconchego de lar.
Dessa vez fui capturado direto pelo buquê solitário de rosas azuis. Elas se destacavam entre todas as demais que vinham se oferecendo a mim ao longo do trajeto do florista até a porta de meu carro. Enrolados em jornais que os protegem e unem, os buquês disputam as atenções do freguês com ansiedade semelhante à dos cãezinhos e gatos órfãos que clamam por adoção e carinho de donos que os queiram. Por mim, levava todas. Mas vou alternando. Semana passada levei rosas amarelas. Antes, alaranjadas. Lembro do sucesso que fazem também os buquês mistos, de cores variadas. Mas dessa vez levei as azuis clarinho, um tom que jamais havia detectado em rosas. Rosas azuis.

Era um início de tarde de sexta-feira quente, muito quente. Cheguei em casa e imediatamente coloquei-as nos vasos com água, sabendo que seu tempo de vida seria curto devido ao calor. Mesmo assim, duraram, valentes e generosas, quase uma semana inteira. Mas valeu a pena. O relacionamento com uma rosa sempre vale a pena, independentemente da duração. Essas rosas azuis não vão murchar tão fácil de minha lembrança.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de fevereiro de 2016)

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