quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Incorrigível corretor

Quando, enfim, nossa voz se erguerá? Quando sairemos unidos às ruas protestando contra a opressão a que nos vemos submetidos sempre que tentamos exercer nosso inalienável direito de expressão? Até quando, corretor automático de texto, abusarás de nossa paciência? Por quanto tempo ainda esse teu poder nos oprimirá? Não vês? Não vês que nenhum de nós ainda coaduna com tua deselegância e aceita a invasão que fazes em nossas consciências? Ó tempos, ó costumes! Que saudades da borracha e do “liquid paper”!
Experimente, ó renomado leitor, excelsa leitora, escrever a abertura desta crônica em algum aparelho (telefone celular, tablet etc) que esteja impositivamente municiado com algum programa de correção automática de texto. O que lerás? Certamente produzirás alguma aberração textual como “Quasímodo, enfante, nossa vosmecê se erguida? Quasímodo saia justa união às suas potesdades contra a ópera a que nos vencemos submarinos sempre queda tentação excelência nosso intragável dirias de expulsão?”. Sim, segundo a lógica de raciocínio do corretor automático de texto que habitam alguns aparelhos meus, a insana frase acima, que deveria reproduzir a segunda sentença do primeiro parágrafo, é plenamente viável.
Precisamos, urgentemente, que algum programador de softwares crie programas que saibam corrigir as sandices e sacanagens dos ditos corretores de texto. Adulteradores de texto e de intenções eles são, isso, sim. Preciso, já, de um policiador de corretor de texto! Porque vou escrever a um amigo “bom dia” e o troço já sai tascando “bondade sua”. Quero demonstrar alegria pelo que alguém me escreveu teclando “heheheh” e, quando vejo a tela, acabo de xingar o amigo chamando-o de “herege”. Imagino “já volto” e anuncio “javali”. Teclo “espere um pouco” e envio “pareces morto”. Ando perdendo amigos, gerando desconfianças e passando recibo de louco a torto e a direito pela internet, devido aos desserviços prestados pelos corretores de texto. Deformadores de texto, isso é o que são.

Borracha era o que se usava na escola, ao copiar errado no caderno, a lápis, a lição que a professora ia desenhando a giz no quadro-negro. “Liquid paper” era o produtinho que se pincelava na lauda datilografada às pressas à máquina de escrever para sanar erros de teclas acavaladas. Bons tempos. Hoje em dia, programinhas etéreos de computador andam querendo antecipar até nossos pensamentos. Sorte nossa que ainda pensam de forma incorrigivelmente burra.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de fevereiro de 2016)

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