quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Carnaval Argentino - Parte 3

Estou desde terça-feira narrando ao paciencioso leitor e à resignada leitora o transtorno a que fui submetido domingo passado, em função da participação desastrada de meu amigo Argentino na sexta e recordista edição do Bloco da Velha (público de 19.999 pessoas, e seriam 20 mil caso eu não tivesse permanecido em casa, lendo um livro de Daniel Defoe), que sacudiu momescamente a cidade na tarde e noite de domingo. Argentino chacoalhou tanto o esqueleto desde a saída da procissão foliã pela Rua Os 18 do Forte, defronte à sede da Livraria e Café Do Arco da Velha (promotora do evento), que deixou cair do bolso da bermuda seu aparelho celular, perdendo-o na via pública, o que o deixou desesperado.
Pegando emprestado o celular de um tal Ralphson, que ele em meio à massa foliã, Argentino me ligou implorando que eu fosse até o centro da cidade vasculhar a rua depois da passagem da multidão em meio à qual ele estava imerso e não podia sair, para procurar pelo aparelho. Prevendo incômodos maiores por parte de um Argentino desesperado a posteriori, achei melhor largar no pufe cor-de-laranja da sala de minha casa o livro de Daniel Defoe que estava lendo e fazer o que ele pedia. Fui, então, ao centro e, depois de furungar por alguns minutos no meio da rua por entre abadás rasgados e colares de flores de plástico, encontrei, sob uma pirâmide de confetes e serpentinas, o telefone celular de Argentino, que reconheci devido à capinha com a bandeira de seu país. Lá estava ele, pisoteado por centenas de pés sambantes, destruído, inútil, morto. Um cadáver de telefone celular.

Peguei-o e, para tentar acalmar meu amigo, avisando que havia encontrado o aparelho (a condição mortal do telefone eu deixaria para que ele tomasse conhecimento na entrega, já sóbrio), cometi, então, o erro estúpido de telefonar dali (com o meu celular, óbvio), para ele. Como? Ora, ligando para o número do tal do Ralphson, seu novo amigo de folia, que ficara gravado na memória de meu próprio aparelho. Eles deveriam ainda estar juntos, imaginei, ingênuo e desconhecedor da dinâmica de movimentação pulsante que ocorre dentro do Bloco da Velha. O telefone de Ralphson chamou, alguém atendeu e eu disse: “Oi Ralphson, por favor, chama aí o Argentino!”. A pessoa, do lado de lá, disse: “Hein? Quem? Aqui não é Ralphson. Eu achei esse telefone caído na rua e juntei para entregar ao dono. Você é o Ralphson? Quer o aparelho? Você está onde?”. Pois é, amanhã, então, concluímos...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de fevereiro de 2016)

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