quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Só se fala em outra coisa

Dona Esmeraldina é uma senhora muito chique, muito elegante, muito sociável e socialite por essência. Lendo essa singela abertura a respeito dela mesma, Dona Esmeraldina gostaria que este humilde escriba acrescentasse também que ela é “muito social”, uma vez que participa religiosamente de campanhas de cunho benemerente como a do agasalho, jantares e chás beneficentes e doações por telefone a entidades diversas. Pois bem, então, Dona Esmeraldina é, também, muito pelo social. Esteja dito.
Dona Esmeraldina é, na essência, uma pessoa do bem. Quem a conhece, sabe o quanto ela sofre com as notícias ruins que vêm de todas as partes do mundo, como a fome em Biafra, a violência no Paquistão, a crise nas bolsas asiáticas. Ah, sim, lógico, Dona Esmeraldina possui muitas bolsas e essa questão das bolsas a toca com intensidade naturalmente maior. “Mas, fazer o que, não é, minha filha: quem não tem cão, dança no mato”, diz ela, resignada, acompanhada por um longo suspiro.
A Dona Esmeraldina é assim: ela subverte sem querer os ditados populares e acaba criando novas metáforas, na maioria das vezes, de difícil compreensão, mas que, para ela, caem como uma luva sobre um espinheiro, tá me entendendo? Ao receber, de quando em vez, em sua sala de estar repleta de almofadas turcas, este humilde servo das letras para o café da tarde, ela não se furta de, antes do caloroso, cheiroso e fofo abraço, exclamar; “ah, que bom revê-lo, quem é vivo sempre desaparece”! Mesmo com a lógica inversa, ela não deixa de ter razão, uma vez que, conforme reza a natureza, só haverá de desaparecer quem vivo for.
E ao longo da animada conversa regada a chás orientais, croissants, madeleines e macarons (onde será que ela consegue macarons?), vão surgindo as pérolas. “Antes só do que desacompanhado”, fulmina, ao defender as benesses dos momentos de introspecção, quando se recolhe a seus aposentos para ler Paulo Coelho. “Só se fala em outra coisa”, ao compartilhar democraticamente a fofoca mais badalada da semana. “Quem confere a fera, confere, será ferido”, prognosticando coisas horríveis a se sucederem contra quem pratica despudoradamente a maledicência alheia. E, quando tudo dá errado, frustrando seus planos, exclama, desolada: “é a Lady Smurf”, provavelmente tentando fazer alusão a alguma súbita onda de azar matreiramente jogada contra ela pela duendezinha azul dos desenhos animados, a Smurfete. Não? A senhora acha que não é isso? Ah, conhece a Dona Esmeraldina? Então a senhora sabe bem do que estou falando...


(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de janeiro de 2016)

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