quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Quem não se comunica...

Desde o momento em que nascemos até o findar de nossos dias, passamos a vida nos esforçando, das mais diversas maneiras possíveis, para tentar comunicar aos outros aquilo que se passa em nossas almas. Precisamos dar a entender a nossos pais, enquanto bebês, que estamos com fome, que temos dor de barriga, que queremos colo. Para isso, metemos a boca no mundo e funciona, nossos pais entendem e nos dão de mamar, aquecem nossas barrigas com colo e nos acalentam. Aos poucos, vamos aprimorando nossas formas de comunicação utilizando a fala, os gestos, a escrita, o grito, o memorando, o beliscão, o riso, o bocejo, o whatsapp e por aí afora, sempre buscando expressar externamente as emoções, os pensamentos, os desejos, as elaborações que pulsam em nosso íntimo. Nem sempre funciona.
Nem sempre funciona porque não somos todos iguais e não temos a capacidade de habitar, perscrutar e invadir a consciência dos outros (felizmente) para bisbilhotar o que vai por elas (excetuando-se os telepatas). Precisamos, portanto, lançar mão aos inumeráveis meios de comunicação para darmos a entender aos demais aquilo que dentro de nós já está claro, claríssimo, ora pois. Você está em Kuala Lumpur e quer comer. O que faz? Ora, utiliza-se de um gesto simples com as mãos e a boca e pronto, logo é encaminhado a um restaurante de comidas típicas próximo ao hotel. Comunicou-se e solucionou o problema. Está com sede em Timbuktu? Ora, você sabe o gesto, não é preciso ser muito esperto. Uma conhecida minha fez compras, locomoveu-se, encontrou cyber café, pegou táxi, pediu suco de laranja e fez amizades na China somente dizendo “yes” e sorrindo.

Mas nem sempre funciona. Anos atrás, em visita a Buenos Aires, senti vontade de comer uma porção de arroz para acompanhar um suculento bife de chorizo. Chamei o garçom e, ao invés de falar meu português sulista carregado de “erres” fortemente pronunciados, decidi florear e pedi arroz de forma carioca, os “erres” sibilados com o som de “agás” sussurrantes: “ahhoz”. O garçom me olhou estranho mas, afinal de contas, cliente é cliente, mesmo sendo brasileiro, e sumiu-se para a cozinha, voltando de lá pouco depois me trazendo um potinho repleto de dentes de alho. Meu “ahhoz” se transformou, em seus ouvidos, em “ajos”, ou seja, alho. Cada louco com sua mania. Especialmente, brasileiros... Comunicar-se, enfim, é uma arte. Imperfeita, ampla e imprevisível, como todas as artes. Que o digam os cronistas mundanos...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de janeiro de 2016)

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