quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Gentileza alienígena

Como é de lei, chego adiantado (muito adiantado) à reunião de trabalho marcada em um café da cidade, no meio da tarde. Para passar o tempo, pego o exemplar do jornal “Pioneiro” de cima do balcão e leio as notícias, os colunistas, os cronistas (tem um deles que não leio porque já sei de antemão exatamente o que escreveu), a página social, o caderno de cultura. Finda a leitura, repouso o jornal dobrado em um canto da minha mesa, como que a ofertá-lo a qualquer outro cliente, e me dedico a enterrar os olhos nas páginas do livro que estou a ler e que carrego comigo para esses momentos de espera.
Pouco depois, minha atenção é chamada por um senhor em pleno gozo da dita terceira idade, que se aproxima e, educadamente, pergunta se pode ler o jornal. Respondo que sim, claro, claro que pode, e faço um gesto largo com o braço como que a disponibilizar a ele o acesso ao impresso deitado ali no canto de minha mesa. Feito isso, retomo o mergulho à leitura do livro, pois que ainda tenho pela frente páginas e páginas de espera.
Passados alguns minutos e algumas páginas, minha atenção é novamente atraída pelo mesmo senhor que havia pescado o jornal de minha mesa. Ele se aproxima, recoloca o impresso no exato local de onde o havia tirado, diz “muito obrigado” e se retira do café. Agora, fecho o livro. Fecho para deixar a mente abrir e se render ao fascínio do pequeno grande fato que acabava de se materializar ali, naquele momento. Ora, de onde vinha aquela criatura, tão educada, gentil, humilde, delicada? Deste mundo é que não deveria ser, nem deste tempo. Sim, porque não havia necessidade alguma de ele devolver o jornal à minha mesa. Ele estava dobrado a um canto, dando claros indícios de que eu já o havia lido e de que pertencia ao estabelecimento, portanto, disponível a toda a clientela. Mas devolveu de onde tirou. Pediu “com licença” na chegada e disse “obrigado” na saída. De onde vinha?

Meu questionamento e surpresa eram plenamente válidos, porque, a este mundo e a esta época, repito, ele definitivamente não pertencia. Quem pertence a este mundo e a esta época é a criatura aquela que ontem me atropelou no bufê a quilo na hora do almoço, com sua bandeja vazia e seu ser empanturrado de fome, pressa, e desrespeito. E também o ser que invadiu o elevador porta adentro antes que eu saísse e cedesse a ele o espaço que tanto desejava dentro da caixa de metal. Uma pessoa plena de gentileza e educação como aquela só pode ter vindo de muito longe, ou no espaço, ou no tempo. E depois dizem que não existe mais magia no mundo...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 7 de janeiro de 2016)

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