sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Detalhes tão pequenos

Tudo pode ser uma questão de detalhes. Os detalhes, apesar de denominados como detalhes, nem sempre precisam ser “meros”. Meros detalhes. Nem sempre. Às vezes, são justamente eles, quando nada meros, que fazem toda a diferença e influenciam na tomada de decisões, determinam atitudes, restringem ações, ampliam movimentos. Há profissões, inclusive, que se sustentam na observação e valorização dos detalhes. Pergunte aos detetives. E às costureiras. Ignore o centímetro para ver se constrói o metro (boa essa, hein?).
Vamos aos exemplos da vida prática. A senhora gosta quando entram em cena os exemplos, não é, madame? Confessa que eu sei, já a conheço bem. Mas vamos lá. Você (eu escrevo “você” para despersonalizar a coisa e a senhora já acha que estou falando de mim mesmo, némesmo?) vai a uma churrascaria, louco para se fartar de churrasco, só pensando naquelas carnes suculentas transitando livres pelo salão trespassadas pelos espetos que os garçons desfilam por entre as mesas, dizendo “sim” para a costela, “sim” de novo para a picanha, “sim, claro, manda ver” para o cupim, só que... só que... nada de virem os coraçõezinhos. Cadê os coraçõezinhos? Não deveria ser uma das primeiras coisas a ser arremessada ao prato do comensal na churrascaria assim que ele chega, junto do salsichão e do franguinho assado? Pois é, mas... nada dos coraçõezinhos.
Daí você (“eu”, né, madama?) resolve tomar uma atitude. De boca cheia mesmo, cuspindo farofa, puxa o avental de um dos garçons que já vai cruzando reto com o abacaxi empalado e pede para ele pelos coraçõezinhos. E daí voceu (“voceu” = você mais eu, para facilitar a vida de todos) fica sabendo da surpresa: não servem coraçõezinhos nessa churrascaria. Mas como?! Como assim, “não servem coraçõezinhos”? Onde já se viu, churrascaria repleta de churrasco, abacaxi e saladas, e desprovida de coraçõezinhos? Claro que voceu não vai se fartar de coraçõezinhos, mas eles, em se tratando de churrascaria, são um detalhe fundamental. Não se volta mais lá.
Detalhes como esses equiparam-se a bar de clube que não faz caipirinha; estabelecimento comercial que não bajula cliente; cafezinho sem copinho com água; casamento sem cafuné; automóvel sem tapete de borracha; namoro sem flores; flerte sem piscada de olho; livro sem prefácio; zoológico sem macaco; café da manhã de hotel sem cereal; crônica sem sal; marmelada sem açúcar; “bom dia” sem resposta.

Detalhe, apesar de detalhe, às vezes, representa tudo. Brincar, rende até crônica de cronista mundano.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de janeiro de 2016) 

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