quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A fila anda

Circulei pelo centro da cidade na segunda-feira, a primeira segunda-feira do ano que se inicia, logo após o acúmulo de feriados proporcionado por Natal e Ano- Novo, e o que mais vi foram filas. Filas nos caixas eletrônicos dos bancos, filas nos postos bancários, filas nas agências lotéricas, filas em lojas. Filas. Filas e filas. Poderia enfileirar o número de filas que detectei, e detectei somente uma pontinha do iceberg das filas que se formavam por todos os cantos da cidade.
Fazer fila é uma habilidade nata do povo brasileiro. Somos bons nisso. Somos profissionais das filas. Grande parte das pessoas que integravam as filas que presenciei no abrir do primeiro dia útil da primeira semana do primeiro mês do ano estava de volta à cidade após passar os feriados no Litoral ou nas casas de parentes em cidades diversas. Essa gente toda enfrentou filas quilométricas (e aqui não se trata de figura de linguagem) nas estradas no domingo anterior para chegar de volta ao lar. Quem esteve na praia enfrentou filas nos restaurantes para almoçar, filas na tenda do picolé, na tenda da caipirinha, na tenda do pastel de camarão, na padaria para comprar o cacetinho do café da manhã, no açougue para a carne e o carvão do churrasco, no caixa do supermercado.
Quem vive nas cidades depara com filas para entrar no cinema dos shoppings, filas para pagar o tíquete de estacionamento dos shoppings, filas para capturar comida nas praças de alimentação, filas para obter uma paleta mexicana (dessa fila não abro mão), fila para entrar na fila. Somos o povo das filas. Já é quase automático. Dia desses, cheguei cedo demais para uma consulta médica e tive de aguardar a abertura do consultório defronte ao portão do prédio, na calçada. Não demorou para chegarem outros pacientes que, automatica e pacientemente, logo se posicionaram atrás de mim, em fila. Ninguém ordenou nada; a fila se formou de maneira natural e, quando o portão foi aberto, subimos em fila as escadas e entramos em fila na sala de espera. Somos seres de filas. Ninguém no mundo constrói filas como nós, brasileiros.

Fazemos filas reais e filas imaginárias. Há filas para transplantes, fazemos a fila andar quando terminamos um relacionamento, enfileiramos feitos, desejos, temores, projetos, deveres, fracassos e sucessos. A fila é uma forma de expressão de civilidade. Uma instituição nacional. Enquanto seguirmos fazendo filas, nem tudo estará perdido.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de janeiro de 2016)

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