sábado, 19 de dezembro de 2015

Espírito compralino

Alguém instituiu, não sei quem, não se se é oficial ou não, mas circula pela internet e, devido à intenção, ao conceito e à essência, é válido. Mas alguém instituiu que o dia 20 de dezembro é o Dia da Bondade. Funciona como uma espécie de preparativo dos espíritos para a chegada do Natal e é interessante que alguém se preocupe em fazer algum movimento, como esse, direcionado a resgatar o verdadeiro sentido da data que, pasmem, vai muito além (juro) da obediência automática aos ditames da mídia e do comércio, que transformaram (com a conivência de cada um de nós, não tente tirar o corpo fora) o espírito natalino em espírito compralino.
Eu sou contra o espírito compralino. Eu acho sinceramente que o mundo anda precisando de doses cavalares, astronômicas, de retomada de valores humanos e éticos que reconduzam a sociedade ao caminho da convivência cidadã. E isso é pra ontem. Porque, vou te dizer, a coisa tá danada. E não tá danada só mediante os descalabros que chegam ao tapete de nossas salas pelo despejar de barbaridades do tubo da televisão. Não é só isso. É pior. O descalabro se manifesta ao alcance de nossos passos, no nosso cotidiano, nas calçadas, no trânsito, nas relações pessoais e impessoais, em tudo. Eu iria terminar esse parágrafo escrevendo que “somos cada vez menos humanos”. Mas não é isso. Somos, isso sim, cada vez menos cidadãos, porque ser cidadão significa a evolução social da essência humana que, pelo visto, é bem complicadinha.
Daí a importância de se instituir um Dia da Bondade. Não significa – como podem vir a se apressar a detonar os mais apressadinhos detonadores de plantão –, não significa passar a agir como bonzinho no dia 20 de dezembro e assim achar que lavou a alma e que então está apto a “voltar ao normal” nos demais 364 dias do ano, sem contar os bissextos. Significa, ao menos nessa data, que há um simpático convite para refletir a respeito e, se for o caso, mudar algumas atitudes e, em outros casos, reforçar outras. Só isso, aliás, já faria uma baita diferença.
E não, não sou uma Pollyanna, que acha que o mundo vai mudar porque existe uma artificial data relacionada à bondade. Mas tenho convicção absoluta de que a via da mudança (longa, dura, penosa, lenta e sutil) não passa, mas não passa mesmo, pela exacerbação do espírito compralino. Ah, boas festas!

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 19 de dezembro de 2015)

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