terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Asno bem treinado

Eu em casa lavo muita louça. Não que seja o único a lavar a louça em casa, mas sou um dos que mais lavam. Digamos que minha participação no ato de lavar a louça suja em casa se dê na ordem de 70%, os restantes 30% (ando bem de conta) tocando para a senhora minha esposa, já que somos os dois únicos habitantes da residência e responsáveis, portanto, direta e logicamente (ando bom de lógica também) pela sujança da louça. Sujou, lavou, não é assim? Aqui, não. Aqui é: sujamos, lavei.
O interessante dessa coisa de eu lavar a louça é que lavo e não reclamo. Quando menos se espera, lá estou eu, barriga grudada na pia, detergente numa mão e esponjinha na outra, lavando colherinha atrás de colherinha, pires após pires, xícaras e panelas. Sem pestanejar. Assobiando, até (mentira, apenas cedi à força da imagem, pois que não assobio coisa alguma). E por que isso se dá assim? Ora, respondo eu, caro leitor, estimada leitora, porque sou largamente elogiado nisso que faço. Recebo elogios generosos e desbragados sempre que lavo a louça. E adoro receber elogios. Quem não gosta? Para recebê-los, então, lavo a loucinha. E sou afagado em meu ego, mexo a cabecinha, levanto a patinha e abano o rabinho, contente e faceiro. Quem elogia? A senhora minha esposa, lógico, que, de trouxa, só tem a de roupa suja (essa, ao menos toca para ela).
E por que razão elogia minha lavada de louça a senhora esposa minha? Ora, porque, detentora de raciocínio lógico e conhecedora das técnicas de reflexo condicionado aplicadas pelos treinadores às bestas (aqui, no caso, o senhor esposo dela), ela sabe muito bem o poder existente em um elogio e como, a partir dele, é possível obter o melhor das pessoas. Elogiar é um dos mais poderosos instrumentos de persuasão e de conquista de boa vontade à disposição dos seres humanos e poucos se dão por conta disso. Encastelados no alto de sua soberba, os prepotentes abrem mão do uso de uma moeda de barganha infalível quando se pretende obter das pessoas aquilo que delas se deseja. Elogie e terás o mundo a seus pés.

Minha esposa sabe disso e eu lavo a louça, ansioso por receber, ao final, o torrão de açúcar que me vem na forma de um elogio. Também recolho a roupa seca do varal, cozinho, faço compras no mercado. Sou um amor? Não, sou um asno bem treinado. Mas, feliz, isso sim. E abanando o rabinho.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de dezembro de 2015)

Nenhum comentário: