quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A paixão de Jandira

Jandira é uma moça bonita, jovem, ingênua e pobre que se despenca do Nordeste para São Paulo na intenção de concretizar o sonho de virar atriz de novela e, assim, ser alguém na vida. Na cidade, é acolhida na periferia na modesta casinha de Zé, um primo um pouco mais velho, solteirão, ingênuo como ela, caladão, esquisito, que trabalha duro como faxineiro e faz-tudo em um condomínio e, nas horas vagas, habilmente produz artigos de palha trançada. Gentil, Zé deixa a moça ir ficando enquanto mantém inalterada sua rotina e seu foco no serviço e nas tranças de palha.
Mas um dia, Zé passa mal. É levado ao hospital e, lá, descobre-se que sofre do mesmo problema que matou prematuramente tanto seu pai quanto sua mãe: tem coração fraco e os médicos lhe dão somente mais seis meses de vida. Zé se conforma com o fato ao relatá-lo à prima: “é a vontade de Deus, né, Jandira; foi como meu pai e minha mãe; é a vontade de Deus”. Jandira, no entanto, não se conforma com o conformismo letal de Zé e, dentro de suas limitadas possibilidades, decide que aqueles seis meses deverão se transformar em seis décadas de vida para Zé. Ele tem algum sonho que deseja ver realizado? Não, ele não tem, ele precisa apenas seguir cumprindo seus deveres no serviço. Ele tem algum lugar que deseja conhecer, tipo a praia? Não, ele não tem, e nunca foi à praia porque “nunca precisou”.
Mas Jandira não se dá por vencida. Ela arrebanha a ajuda dos colegas do salão de beleza em que trabalha e vai à luta. Nos sábados, a turma leva Zé ao zoológico, ao baile, faz churrasquinho na laje, toma um vinho, assiste tevê na sala comendo pipoca, essas coisas. Zé aprecia os esforços de Jandira e Jandira se apaixona pelo Zé. Quando abre o coração aos amigos do salão, vira inicialmente alvo de chacota da turma, por estar apaixonada “pelo lentinho”. Aí vem uma das melhores cenas de “Alguém Qualquer” (Brasil, 2012), filme de Tristan Aronovich, estrelado pelo próprio e por Amanda Maya. Apaixonada e amargurada pela forma (aparentemente) indiferente com que Zé reage ao sentimento, Jandira chora no salão e rebate o espanto e escárnio dos amigos dizendo que não tem culpa por se apaixonar pelo Zé, esquisito, “lentinho”, caladão.

Ela não tem culpa, ela se apaixonou por ele do jeito como ele é. E assume e tenta vivenciar o sentimento da melhor forma que a vida lhe propicia. Uma das lições do filme está aí. Há outras. Recomendo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de dezembro de 2015)

Nenhum comentário: