quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Ser ou não ser... galo

Uma amiga minha gosta de narrar ao seu círculo de relações uma história saborosa (mais saborosa ainda porque verdadeira) a respeito de um galo que imaginava ser cachorro. Aconteceu décadas atrás, quando seus filhos (hoje adultos) ainda eram crianças e ela os presenteou com três galinhos recém-nascidos (pintos, ainda, pois, pintos, pintos). E vejam o que pintou, no parágrafo que segue.
Deu-se que, naquela época, nos famosos bons tempos atrás, as casas ainda viviam sem cercas, a grama do quintal do vizinho (sempre mais bonita) vizinhava com a grama do quintal do morador ao lado, as crianças de uma casa subindo nas árvores do pomar da outra casa e roubando bergamotas, aconteciam essas coisas. Mas aconteciam também coisas chatas, como o fato de o cachorro de um vizinho, tido como muito malvado (o cachorro, não sei o vizinho), ter devorado dois dos galinhos recém-comprados por essa minha amiga. Trauma, tristeza geral e muita preocupação com o destino iminente do derradeiro galinho, que devia estar na mira do cachorro malvado. Só que, aí é que a história mergulha no seu ponto de inflexão. A seguir.
Aí aconteceu que o tal derradeiro galinho mostrou-se mais esperto que seus dois finados manos e passou a andar colado na cadela boxer da família, esta nada malvada, a título de proteção. Grudado na cadela, ficava livre das investidas do malvado cachorro vizinho e, assim, sobreviveu. Sobreviveu porque passou a agir como cachorro, a fim de salvar a pele... Ou melhor, o pelo... Quer dizer, as penas. E, desde então, o galinho cresceu dormindo no canil ao lado da cadela, comendo comida de cachorro, deitando de lado como cachorro, ignorando as galinhas, essas coisas caninas. Morreu anos mais tarde, convicto de que era cão. Como?

Porque foi estimulado a isso. O exemplo real da história do galinho com alma de cachorro comprova minha tese de que podemos ser o que quisermos. Nosso caminho quem define somos nós mesmos. Eu não deixei de ser astronauta, conforme meu sonho de criança, pelo fato de não ter capacidade para tanto. Eu apenas segui outro rumo. Mas poderia, sim, ter sido diplomata, marceneiro, ator, com a mesma competência com que sou o que quer que eu seja hoje. Da mesma forma, poderia ter sido um fracassado, um criminoso, um assassino, um invejoso, um recalcado. Sou o que escolho ser, dentro das possibilidades daquilo que o universo me coloca à disposição. Poderia até ser galo. Ou cachorro.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 20 de novembro de 2015) 

Nenhum comentário: