terça-feira, 10 de novembro de 2015

Gansos na pista

Costumamos afirmar que, para combater e driblar a crise, precisamos usar a criatividade, precisamos ser ousados e imaginativos. É o que aprendemos acompanhando as opiniões de editores e colunistas de Economia nos vídeos dos sites e nas páginas que produzem nos jornais (e eu leio essas páginas e assisto a esses vídeos, acreditem). Existe até um bordãozinho impresso que alguns estabelecimentos pregam nas paredes de seus negócios, nos quais arrancam a letra “s” da palavra “crise” para formar a palavra “crie”, o que, por si só, já é muitíssimo criativo, admitam. Mas tudo tem um limite, até mesmo a criatividade em tempos de crise precisa seguir certos padrões de lógica e bom senso, e é muito bom que seja assim porque, se assim não fosse, não haveria crônica.
Esse dito limite andou sendo ultrapassado esses dias, por exemplo, lá no outro lado do mundo, mais precisamente na província de Hubei (ah, tá), na China. O protagonista foi um chinês (claro) criador de gansos que, vendo-se num aperto financeiro terrível, desprovido de grana para fretar um caminhão, mas precisando urgentemente transportar 1,3 mil (isso mesmo, mil e trezentos) gansos de um lado para o outro, não pensou duas vezes em meter-se a pé na estrada conduzindo por terra a gansaiada toda, em uma rodovia movimentadíssima. As fotos e o vídeo estão na internet, para provar, e a cena é incrível: mil e trezentos gansinhos andando ordenadamente em um lado da rodovia enquanto os veículos cruzam a mil pelo outro lado.
A polícia rodoviária foi chamada para colocar ordem naquilo e evitar que houvesse um atropelamento de gansos, o que seria uma pena (muitas penas, na verdade, muitíssimas penas), colocando cones na pista e ajudando o criador de gansos a levar seus animais ao destino, incólumes. Afinal, ninguém queria ver ao vivo ganso virar patê no asfalto. Tudo indica que a história acabou bem para os 1.301 indivíduos envolvidos (os gansos e o criador), mas, convenhamos, o chinês aí confundiu criatividade e ousadia com absoluta falta de noção ao arriscar os pescoços dos gansos e dos motoristas (apesar de chamar a atenção a disciplina dos gansos, o que ainda muito me intriga).

Moral da crônica: inércia é ruim; criatividade é bom; bom senso é melhor ainda. E patê de ganso só é bom devidamente enlatado.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 10 de novembro de 2015)

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